2012 no Vila*


O Olho de Deus - O Avesso dos Retalhos
Maio de 2012. Os dois palcos do Teatro Vila Velha – Sala Principal e Cabaré dos Novos – apareceram conectados pela encenação high-tech de Márcio Meirelles para contar a história de "O Olho de Deus: o Avesso dos Retalhos", sem dúvida um dos maiores acontecimentos do teatro soteropolitano no ano. Como assistente de direção, tive o prazer de estar nesse barco e, dentre os bons encontros propiciados por essa experiência, conhecer Sonia Robatto. Atriz, dramaturga, uma das fundadoras do Vila e autora de mais de 400 histórias infantis, Sonia tem ainda muitas boas histórias para nos contar. "O olho de Deus" comprova isso, uma peça sobre a memória, tema recorrente nas produções do TVV este ano.

O Teatro da Queda, por exemplo, veio com as versões estacionais do espetáculo Breve. Assisti há pelo menos duas delas, atento a cada memória revelada pelos atores, muitos conhecidos de longa data. O apuro visual, o jogo real/ficção e o modo de acolher o espectador são os pontos altos dessa peça (ou dessas peças) já transformada, a meu ver, no grande destaque do repertório da companhia.

Outras memórias também estiveram presentes, as ancestrais, como em "Oyaci: a filha de Oyá", do NATA. Infelizmente não pude assistir a essa peça, assim como também não assisti aos Novos Novos e seu "Paparutas", ou ao "Muvuca", do Viladança, portanto, não posso falar muito sobre tais espetáculos que aguardo ainda poder ver em 2013. Mas, ainda assim, vi muita coisa nesse Teatro em 2012.

O Supernova Teatro, outra companhia presente no TVV, apresentou "Drácula", um dos dez monstros que Márcio Meirelles quer levar aos palcos antes de morrer (as palavras são do próprio). A encenação épica não nos mostra o vampiro mais famoso da História, buscando maior fidelidade à obra de Bram Stoker (fidelidade sempre impossível de ser alcançada por completo numa operação entre sistemas de signos distintos como são a literatura e o teatro), mas nos apresenta um conjunto de belas imagens. Confesso ter me afastado completamente das palavras ditas no palco ao ver algumas destas imagens, e isso não é um demérito para a peça.

E o que dizer de "Dô", o encontro Bando/Tadashi Endo? Seria o butoh japonês modificando o movimento dos corpos dos atores baianos e afrodescendentes do Bando? Ou tais corpos transformando o butoh? O fato é que, o que quer que seja "Dô", a experiência teatral está presente. O movimento ali é o dos corpos dos atuantes, mas é também o mobilizar do sensível em nós, ou ao menos em mim, enquanto espectador individual.

Ah, e teve mais. A Outra, uma companhia mais que querida, mesmo num ano movimentadíssimo – trabalhando no Memorial Brasil de Artes Cênicas, com viagens, intercâmbios artísticos e uma breve residência em São Paulo –, não esteve ausente do Vila em 2012. Pelo contrário, a companhia reapresentou "Remendo Remendó", estreou "Colcha de Retalhos" e ainda compartilhou parte das viagens e dos encontros que tiveram através do Habite-se, projeto que trouxe os grupos Teatro do Concreto (DF), Atores à Deriva (RN), Teatro do Invertido (MG) e Magiluth (PE).

O TVV recebeu ainda diversos espetáculos teatrais, de dentro e de fora da cidade, exposições, espetáculos de dança diversos, mini, médios e grandes festivais. E recebeu também alguns amigos meus, daqueles que vão muito pouco ao teatro, mas que foram muitas vezes este ano. E, olha só: escolheram o Vila. Pois que eles venham mais em 2013, que eu mesmo vá mais ao Teatro em 2013 e que 2013 venham mais boas surpresas nos palcos do TVV.

*Texto de Hayaldo Copque: mestre em Artes Cênicas e Bacharel em Interpretação Teatral pela UFBA e, atualmente, professor substituto de dramaturgia pela mesma instituição. É autor de diversas peças curtas, dentre as quais se destacam: Entrevista de emprego (dirigida por ele no I Festival Ilusório de Peças Curtas, Teatro ICBA, Salvador, 2010); Um homem de sorte (vencedora do edital Teatro NU: Cinema, dirigida por Gil Vicente Tavares, Saladearte Cinema da UFBA, Salvador, 2011) e Fantasmas da noite (apresentada dentro de um automóvel, a convite do grupo Os Satyros, com direção de André Garolli, Praça Roosevelt, São Paulo, 2011). Escreveu ainda as peças Sobre a aldeia (resultante de sua pesquisa de mestrado sobre ouniverso criativo do pintor russo Marc Chagall).

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