Tá rindo de quê?

Ontem tivemos palestra da Outra Cia de Teatro e Vanda Machado, escritora e doutora em educação, participou. Lembramos que em 2005 ela escreveu um texto sobre Divorciadas, evangélicas e vegetarianas, espetáculo da CTN, grupo Residente do Vila. Como as meninas estão em cartaz no Teatro Jorge Amado, vale a pena a nova postagem.

"Fazer rir é arte especialmente difícil, mais ainda se a provocação é fazer rir de si mesmo – rir com a finura de espírito dos que não temem a auto-ironia e o ridículo da condição humana. Chorar de rir diante da compreensão súbita do drama bufo que protagonizamos numa sociedade de Divorciadas, Vegetarianas e Evangélicas.

Tivemos Um dia de cão, poderíamos dizer com todo exagero que nos é peculiar, bem ao estilo do clássico hollywoodiano do diretor Sidney Lumet, estrelado em 1975 por Al Pacino e John Cazale. A decisão por findá-lo num teatro, assistindo a uma comédia, pareceu-nos a terapêutica recomendada para uma tranqüila noite de sono, após o estresse do trânsito, dos celulares insistentes, das tarefas por realizar e do relógio que não nos dava tréguas. Durante o dia nos falamos por várias vezes quase como uma promessa.

Três atrizes. Duas anônimas na platéia. O espetáculo burlesco exibia sem pudores a nossa vida tão ordinária. Gargalhávamos e igualmente gargalhavam todos os presentes, dir-se-ia, às bandeiras despregadas. Tão ordinária... por isso o inevitável contágio do riso - somos tão demasiadamente iguais e diferentes! E já não nos parece pouco modesto afirmar que éramos muitas no palco: pudicas, contidas, peruas, apaixonadas, sensuais, desmedidas, tolas... Mulheres. Éramos uma multidão na platéia.

Cumprimentamos as atrizes, Iara Colina, Vivianne Laert e Mariana Freire, agradecendo-lhes ter nos emprestado o espelho – artefacto invariavelmente presente nas bolsas femininas. Já não ríamos, refletíamos de renovadas perspectivas. Maravilhosas!!! Maravilhadas. À mirada caleidoscópica nos mostrava as mil máscaras que ocultamos ou deixamos à vista – brincávamos com a forma como as recriávamos com batons, blushs, lápis, gloss, bases e tantos badulaques que nos ajudam a caretear.

O depois foi revirar a bolsa, meio atabalhoadas, à semelhança de uma das personagens, à procura de moedas para o guardador de carros. Bolsas que guardam muitas bolsinhas e segredos, importantes bilhetinhos e canhotos de contas (claro que não vamos publicizar, aqui, os nossos absurdos paradoxalmente tão recônditos quanto flagrantes. O conteúdo das bolsas é sempre um mistério e uma aventura, assim como algumas máscaras femininas). A bolsa de Glória nos cabia inteirinhas. Um jeito e desejos que matamos todos os dias.Um tempo de espera como a divorciada, ou um tempo de pudores e comedimentos que sufocam e destrambelham na primeira oportunidade, como a evangélica e a vegetariana. E continuamos a nos indagar: estamos rindo de quê? Estamos rindo de quem?"

Vanda Machado, Ana Rita Ferraz

22 de janeiro de 2005

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