Sem orçamento, pra que novas leis?

JORNAL ESTADO DE SAO PAULO Sábado, 19 de Abril de 2008

É a questão lembrada pelo secretário Juca Ferreira, do Ministério da Cultura, após encontro com membros do Redemoinho

Beth Néspoli

Mais um passo foi dado na quinta-feira na mobilização dos artistas em prol de políticas públicas para o teatro. Pela manhã, cinco representantes do movimento Redemoinho, que une 70 grupos teatrais de diferentes Estados, entregaram em mãos do secretário executivo do Ministério da Cultura (MinC), Juca Ferreira, um anteprojeto de lei de fomento às artes cênicas. O encontro durou cerca de hora e meia, tempo gasto para explicar as linhas gerais da lei baseada em recursos federais da ordem de R$ 100 milhões anuais para manutenção de grupos, produção e circulação de espetáculos em todo o país.

''Foi importante esse encontro porque o debate até agora estava muito polarizado entre a APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio, com 140 membros) e o MinC'', diz o mineiro Marcelo Bones, membro do conselho do Redemoinho. ''A reunião de hoje sedimenta a existência de uma terceira voz nesse debate.'' No dia 18 de março, representantes da APTR, da Cooperativa Paulista de Teatro (integrada por 800 grupos de São Paulo) e do Redemoinho participaram de audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado, ocasião em que foram entregues dois anteprojetos de lei, o do Redemoinho, por meio do Senador Eduardo Suplicy, e outro elaborado pela APTR, baseado em renúncia fiscal.

''O Redemoinho se coloca como um movimento social, de gente ligada ao fazer teatral, que tem propostas concretas e vai fazer pressão para que o Ministério também apresente as suas'', diz Bones. Após o encontro, Juca Ferreira falou ao Estado. Ressaltou que seria leviano fazer qualquer avaliação do anteprojeto recebido, pois não tivera tempo de lê-lo e claramente acenou com uma outra proposta. ''Depois de quase cinco anos de debates, o MinC está maduro para propor uma política cultural.'' Mas foi enfático na argumentação de que nada será possível se o orçamento do Ministério não for ampliado.

Aprovar leis para diferentes segmentos do teatro serviria para desonerar a demanda pela Lei Rouanet?

Não se pode acreditar que haverá uma lei para o tipo de teatro da APTR, outra para o Redemoinho. Cabe ao Estado criar política cultural. Para isso, precisamos conquistar no Brasil o reconhecimento da necessidade de investimento oficial na Cultura, ou seja, através de orçamento, para que possamos ter um desenvolvimento cultural satisfatório. Senão, fica uma situação irnsustentável, a gente elabora o arcabouço legal mas não tem a substância que vai dar vida a esse arcabouço.

O que o senhor diz é que não se pode ter política pública sem orçamento?

Esse é o primeiro assunto que deveria ser discutido. Os argumentos dos representantes do Redemoinho são sutentáveis e partem de constatações muito próximas das que nós chegamos depois de quase seis anos de experiência no Ministério. A diversidade de manifestações artísticas e processos estruturais no Brasil exige uma política que não se baseie em apenas um mecanismo. Mas eu estou chamando atenção para um mecanismo estratégico e incontornável que é o orçamento do Ministério. Não podemos ter recursos reduzidos se entendemos que a Cultura não é a cereja do bolo, mas uma dimensão importante da condição humana e fundamental para preparar o Brasil para o século 21. O Ministério está preparando, e está maduro para botar na rua, uma proposta de política cultural que atenda à diversidade das manifestações.

Proposta possível com o orçamento que se tem?

Não, não. Vou repetir. Com esse orçamento não dá para sustentar nenhuma política de financiamento, fomento e estímulo à produção cultural. O que propomos é que haja reconhecimento de que é urgente alterá-lo. Como metodologia não basta investir nos mecanimos regulatários e legais, é preciso pensar na Cultura como componente fundamental na construção do Brasil que a gente quer. Temos de ter um conjunto complexo de mecanismos, inclusive de mercado. Mas a Lei Rouanet, do jeito que está, estrangula essa possibilidade. Quem vai querer correr riscos por mais positivos que sejam os indicadores de retorno, se há dinheiro de graça nas condições que a lei possibilita? A Rouanet tem limites estruturais. É um instrumento de parceria entre área pública e privada. A empresa adere na medida em que reconhece a possibilidade de retorno de imagem. É legítimo. Mas cria limitação. Quem quer investir num dos melhores parques arqueológicos do mundo, tanto no rigor científico do trabalho desenvolvido quanto na abrangência das descobertas, no Piauí? Ninguém quer por mais que isso seja relevante para a cultura mundial e para a preservação da memória da presença do homem no planeta.

Do jeito que o senhor fala, a Lei Rouanet estrangula o mercado e só atende à produção que já interessaria ao patrocínio privado. Parece um discurso para sua extinção?

Não. O problema é que a espetacularização da notícia e da informação leva a transformar tudo numa partida de futebol, com torcidas contra ou a favor. Nós estamos tornando tudo mais complexo . Quem pede a extinção subestima o impacto da ausência de R$ 1 bilhão para a Cultura. Se existirem recursos suficientes de outra ordem, se o Estado cumprir plenamente seu papel, poderíamos reformar a lei para atender sua área vocacional. Entendeu que não é necessariamente uma extinção?

É possível aumentar o orçamento já que tudo depende disso?

Está tramitando um PEC na Câmara - mecanismo legislativo de emenda à constituição - que determina um percentual mínimo de 2% para o orçamento da Cultura. Isso significa quadruplicá-lo. E não é nada. Os que esgrimam contra essa idéia falam que estamos em fase de geração de superávit, de contenção de custos. Mas não estamos propondo aumentar custos. Queremos que seja dado 2% do bolo orçamentário para a Cultura por compreender que a cultura tem importancia no conjunto das políticas públicas. Com 2% e não os 0,2% que encontramos, ou 0,5% que temos hoje, podemos elevar o patamar das políticas públicas, qualificar o processo educativo levando a cultura para a sala de aula, investir na segurança dos museus, na renovação de acervo. Não reduziremos os índices de violência sem inclusão, não adianta botar polícia na rua - só através da intervenção cultural é possível despertar o desejo de incorporação. Há toda uma complexidade a ser encarada e o Brasil está atrasado. Por isso, eu não participo desse fla flu de quem é contra ou a favor da Rouanet. Isso é para quem tem interesse econômico na lei. Para nós que temos responsabilidade com o interesse público, a vista tem de atingir horizonte muito mais amplo.

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