Um olhar sobre "Bispo" - por Clara Romariz

Cena de "Bispo". Foto: Diney Araújo.

Fui ver Bispo numa noite de domingo, totalmente "despreparada". Logo no começo da peça, depois de uma apresentação incrível, Bispo olhou pra mim, se aproximou e disse: “O seu pai veio aqui; veio pra ver a neta… Onde já se viu uma moça branca feito você não saber ler”. Me assustei: "filho? será premonição?”. Vindo de um homem que diz falar com Deus não seria surpresa. O sentimento de estar surpresa foi o que eu tive ao longo da peça; na minha vil ignorância, não sabia muito sobre Arthur Bispo do Rosario; fui pegando pinceladas sobre quem seria ele ao longo do espetáculo. Sei que Bispo foi internado na Colônia Juliano Moreira (Rio de Janeiro), onde ficavam os loucos, os alcoólatras e outro desviantes da norma. Ele não era artista, era o que dizia, era um enviado de Deus que tinha que fazer essas "coisas pequenas" para apresentar pro Senhor no dia do juízo final. 

Na peça são mostrados recortes de sua vida, de seus pensamentos e de suas ideias. A linha entre o real e o criado permanece tênue ao longo da narrativa, uma boa proposta: não sabemos o que é descrição do que acontece com ele e o que são seus delírios. A única certeza que eu tive é a de que sua arte é deslumbrante, é magnânima e João Miguel conseguiu passar essa magnitude para mim.  As cenas são de uma beleza fenomenal, Bispo sempre envolto em um manto todo costurado com nomes de pessoas e desenhos diversos. A interação com o público é precisa, não é constante o que faz com que cada fala seja única.

A peça me deixou satisfeita, mas o que mexeu mais comigo foi o debate no fim. Pacientes do hospital Juliano Moreira (em Salvador) e atores de Os Insênicos (grupo de teatro formado por pessoas com distúrbios mentais) assistiram a peça e participaram ativamente do debate com João Miguel, a diretora da companhia, Renata Berenstein, e um ex-diretor do hospital Juliano Moreira. Foram questionados o tratamento que se dá aos loucos, como eles são vistos e qual o papel do ator na transformação da sua realidade. Uma moça da platéia nos contou como a arte transformou sua vida, como antes do teatro ela tinha crises constantes e agora está muito melhor. Me senti na sua pele - papel do ator, o exercício da empatia - e quando dei por mim estava me vendo na arte, indubitavelmente transformadora para artistas e público.

*Clara Romariz é integrante da universidade LIVRE do teatro vila velha desde março de 2016.

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