Marcio Meirrelles: "tive de pular muitas poças de lama"

Matéria publicada no Terra Magazine (Bob Fernandes), escrita por Deolinda Vilhena, de Salvador (BA), e publicada em 28 de janeiro de 2011.


Há momentos na vida em que invejo o poder divino da onipresença…Segunda-feira passada foi um desses dias…Márcio Meirelles passava o cargo de Secretário da Cultura da Bahia ao professor Albino Rubim em cerimônia no Palácio Rio Branco, em Salvador. E eu não pude estar lá para abraçar meu amigo, dizer-lhe do orgulho que tinha do trabalho por ele realizado como secretário de uma pasta pobre, inexistente na maioria das vezes quando não existe voluntarismo político, e mais, dizer-lhe da minha alegria por saber que a partir de agora vamos nos ver mais vezes e quem sabe realizar alguns sonhos juntos.

Quis a vida que acompanhasse bem de perto e desde setembro de 2008 os caminhos de Márcio à frente da SECULT. Deus e o mundo sabem das minhas divergências com as políticas adotadas pelo PT e pelo modo petista de ser, sou PSDB de carteirinha e pequeno burguesa assumida, mas nem eu nos meus piores dias de ira contra o PT consegui entender o massacre imposto por parte da própria classe artística baiana a um deles. Porque Márcio esteve secretário por quatro anos, mas é artista desde sempre.

Márcio teve a honra de ser o primeiro secretário de cultura da Bahia, a pasta não existia, foi criada na primeira gestão de Jaques Wagner, isso em si é motivo de festa. E mais, Márcio ousou desacatar a ordem pré-estabelecida pelos senhores de engenho e pelos coronéis ainda em atividade no nosso Brasil ou pelas viúvas dos mesmos.

O lugar da cultura ainda é bastante obscuro para os políticos desse Brasil, a prova? Na transmissão do cargo o Governador Jaques Wagner não estava presente. Não sei se ele esteve na posse de Márcio quando foi implantada a Secretaria de Cultura. Mas essas ausências me dão a exata noção do peso que a cultura tem na história desse país…Transcrevo aqui trechos do discurso final de Márcio Meirelles e espero que o tempo dê a ele seu merecido lugar no panteão da história da cultura baiana.

“Naquele janeiro de 2007 chovia e tinha muita lama na vila Nova Esperança, mas sete secretários e a primeira dama estavam naquela comunidade onde o Estado nunca esteve, a não ser através da polícia. No dia seguinte um jornal estampava, na primeira página, uma foto onde eu, no ar, pulava uma poça de lama. Foi o que fiz muitas vezes durante a gestão. Tive que pular muitas poças de lama. (…) Coloquei o capital simbólico de meus 35 anos de vida pública como trabalhador da cultura a um projeto político, no qual acredito e continuo engajado, onde quer que eu esteja, trabalhando para que continue a dar certo. Acredito porque este sempre foi também o meu projeto político, como artista: descentralizar, democratizar o acesso, construir redes, sistemas, ouvir, trabalhar coletivamente. (…) Para isso deslocamos o olhar para os 26 territórios de identidade, para os 417 municípios, para os 14 milhões de cidadãos baianos, todos eles produtores culturais, todos com direito constitucional de acesso à cultura, como à educação e à saúde. Não é possível se pensar em políticas públicas para a Cultura cujo centro sejam os artistas e não os cidadãos. É como se Educação tivesse como meta atender aos professores e a Saúde aos médicos. Todos eles – professores, médicos, artistas – são agentes das políticas do Estado para promover o desenvolvimento e bem estar da população. E não pode ser de outra forma.

Albino, a Secretaria da Cultura, tem três grandes desafios, neste segundo mandato do governador Jaques Wagner: aproximar-se mais da Educação, para que a musculatura desenvolvida pela produção cultural baiana tenha eco e retorno; preparar o estado para que o legado da copa, no campo da engenharia do espetáculo, seja estruturante para nossa economia; e consolidar muito do que foi feito, começando pela aprovação da Lei Orgânica da Cultura, que está na Casa Civil, e a seguir, cuidando da reestruturação da secretaria para que ela esteja apta a atender de fato à Cultura baiana em todas as suas dimensões. Isso, como a reurbaização da Rocinha, não foi possível fazer.

Cabe a você agora levar adiante essa jovem secretaria, de apenas quatro anos, Albino. É pública a minha admiração pelo seu pensamento, sua competência e seu trabalho. Como é público o meu respeito e carinho à sua pessoa. Conte comigo como amigo e peão, no que for preciso. (…) É engraçado: agora volto para o meu lugar de artista, de onde nunca saí, e saio do lugar de político, coisa que um artista não deixa nunca de ser.”.

Depende do artista Márcio, depende do artista…nem todo mundo é Mnouchkine:) No mais tô contando os dias para gente tomar um champagne dos bons para comemorar a vida…me aguarde!

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