Bando comemora dia do Teatro em Angola


Cabaré da RRRRRaça - apresentações em Angola
Foto: Márcio Lima

Nas últimas semanas, o Bando de Teatro Olodum vem se dedicando aos preparativos para sua viagem à Luanda, a convite do Ministério da Cultura da República de Angola. O grupo apresentará seu Cabaré da RRRRRaça entre os dias 28 de março e 1° de abril, num evento especial em homenagem ao dia internacional do Teatro, comemorado no dia 27 deste mês. Além das apresentações, os diretores artísticos do grupo participarão de encontros e bate-papos com os artistas locais para falar um pouco da experiência de fazer teatro negro no Brasil

Em tempo: aproveite para ler este belo artigo da professora Kátia Santos, que emocionou o Bando na última edição do jornal Irohin

Na orelha do livro O Teatro do Bando: Negro, Baiano e Popular, de Marcos Uzel, a atriz Ruth de Souza afirma haver um hiato de mais de 50 anos entre o TEN (Teatro Experimental do Negro) e o Bando, e que este último seria "um dos raros grupos a conseguir dar continuidade e a contribuir para a afirmação do ator negro no campo da arte brasileira". Quando li essa declaração foi que me dei conta de que a emoção que senti ao assistir à peça Ó Paí, Ó! só teria tradução imediata se não tivesse havido o tal hiato entre os citados grupos negros de dramaturgia. Como se já não bastasse estar em Salvador, tive ainda a oportunidade de assistir (3 vezes!) à montagem de Essa é a Nossa Praia. Foi maravilhoso me ver refletida naquele maravilhoso espelho em que o palco se transformara. A diferença era que naquele reflexo eu tinha talento. Mentia o espelho? Não! O espelho era o Bando de Teatro do Olodum - que para mim passou a ser o meu Olodum, com todo o respeito que tenho à banda de mesmo nome. Foi uma experiência indescritível ver, literalmente, um bando de negros, sendo negros, numa peça de teatro que nos fazia rir e refletir sobre as questões apresentadas por seus personagens, por mais engraçadas que fossem suas performances. No final da minha viagem eu já tinha personagens prediletos: saí de Salvador apaixonada por Severino Lixeiro (Fábio Santos), de quem inclusive decorei algumas falas; a ginga e o sorriso de Seu Matias (Jorge Washington) já me informavam que aquele ser teria que habitar o meu universo para sempre; a Baiana (Rejane Maia) para mim era todas as mulheres negras do mundo em uma só pessoa; o Pintor (Rivaldo Rio) todo ludismo com seu pincel em riste, fosse ele o pintor o Pelô não teria perdido a cor; Maria de Bonfim (Arlete Dias) não sabe mas ela pertence à minha família, eu a adotei, e a reconheço mesmo quando se transveste de outras personagens. Assim, o bando passou a fazer parte da minha vida. Passou a ser também meu veículo de informação. Lembro-me sempre de um dia, um bom tempo depois deste primeiro encontro, quando perguntei ao ator Ednaldo Muniz qual era o significado daquele enorme X que ele trazia na camiseta do Olodum, e ali fui informada da existência (sim, ele está no meio de nós!) de Malcolm X. E mais tarde descobriria que o Bando, para nós negros, tem também fins teurapêuticos. Esta descoberta se deu quando eu assistia à Cabaré da Raça no Rio de Janeiro e, de repente, no meio da peça, eu tinha um microfone para relatar no timing da peça a situação de racismo que eu havia passado pouco tempo antes na portaria de um prédio da zona sul do Rio. Nunca pensei que eu teria coragem. Mas a coragem não era minha, era emprestada do Bando que, assim como o nome Malcolm X, me ensinava também o que pode uma sessão de open mic. Acho que é isso: o Bando para mim é o meu open mic, onde a minha negritude, no que ela tem de mais significativo, criativo e crítico, é levada à máxima potência sonora. Há dias nebulosos em que para me fortalecer danço ao som de Luciano Patrocinado (Cristóvão da Silva) numa sequência restauradora de Separatismo Não/Ilê de Luz/Negrume da Noite, da última faixa do CD do Cabaré. É tão eficaz quanto banho de folhas.

Vida longa a esse grupo de menestréis das causas negras.

Katia Santos, Dra. em literatura, professora visitante de cultura brasileira, afro-brasileira e afro-americana na Universidade da Carolina do Norte em Charlotte, EUA.

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