Arte integrando o público infantojuvenil: mediações e vínculos no Projeto Pé de Feijão

   



 Ney Wendell

 

A infância e a juventude devem ser vistas como prioridades fundamentais quando pensamos no desenvolvimento cultural de uma cidade. Diversas redes e instituições governamentais e não governamentais vêm trabalhando para defender o acesso à cultura desde a primeira infância, dinamizando mecanismos do apreciar e do produzir culturalmente. O olhar não é mais para produzir culturas somente para a criança e o jovem, mas coproduzir com eles, pois essencialmente ao incluí-los no conceber e executar de uma ação cultural, nós criamos espaços de direito para crianças e jovens cidadãos e cocriadores. Como fazedores de cultura, devemos sair em defesa do público infantojuvenil, principalmente diante de realidades políticas atuais de alguns países que fomentam o desmonte de programas culturais como as extremas direitas. Estes movimentos clamam pela precarização das artes, pois sabem do seu potencial integrador, inovador e transformador. Destacamos nesse texto o viver a cultura que passa pelo ponto fundamental de integrar indivíduos em experiência criativas, lúdicas e expressivas. 

Ao nos colocarmos em defesa de projetos de artes que gerem a integração de crianças e jovens, estamos fortalecendo o encontro de cidadãos que aprendem a viver juntos e a lutarem pelos seus direitos culturais, reconhecendo-se como coletivos em suas comunidades. No Brasil recomeçamos no ano de 2023 uma reconstrução da política cultural, depois de vivermos em contextos sombrios de pensamento sociopolítico perigoso e destruidor que excluía a cultura do campo governamental. 

O Teatro Vila Velha, pelo seu histórico de luta cultural e social, compreende bem a defesa da infância e da juventude ao desenvolver uma diversidade de projetos que incluem crianças e jovens como públicos apreciadores e fazedores das artes. No Projeto Pé de Feijão vemos o quanto esta defesa da cultura escolhe um caminho atual e prioritário: a integração infantojuvenil pela mediação cultural.

A situação social das relações humanas foi modificada para um caminho, ainda desconhecido, no período que vivemos pós-COVID. Alguns elementos ficaram presentes e estamos aprendendo a compreendê-los como, por exemplo, o distanciamento, o isolamento e a agressividade. Por isso, os projetos culturais chegam como incentivadores da esperança no ser humano ao reconectá-lo ao outro e colocá-lo como cidadão criador.

Quando o Pé de Feijão opta por uma metodologia de mediação cultural, há uma abertura para novos espaços de diálogos e de conexão criativa entre os públicos infantojuvenis com seus pares, com as obras de artes e com os espaços. A mediação cultural neste projeto se posiciona na urgência atual de integrar este público diante de contextos complexos do aumento de violência nas escolas, de efeitos nas relações sociais graves de distanciamento do pós-COVID e das consequências de precarização cultural na política dos últimos anos. O aspecto que deixamos mais em evidência desta mediação é a necessidade de integrar. Neste sentido podemos observar três níveis de integração cultural no projeto estimulados pelos mecanismos de mediação cultural:

 

1.          Integração com seus pares: a programação criada pelo projeto pressupõe um acesso a um público diverso oriundo de realidades sociais, econômicas e geográficas diferentes. É uma assembleia de crianças e jovens que se constitui durante os momentos de apreciação e que os colocam olho a olho, corpo a corpo e singularidade a singularidade. O espaço teatral se transforma em um lugar de encontro para experienciar a arte e reconhecer o outro que está ao lado num momento único que une prazer, aprendizado e diversão. Nos campos abertos ao diálogo através de debates e discussões nas diferentes atividades, as crianças e jovens exercitam a consciência do empoderamento de suas vozes, suas opiniões e seus desejos. Na diversidade destes encontros percebemos as oportunidades geradas pela cultura e suas identidades e identificações que se tornam visíveis quando cada indivíduo se percebe cidadão criador vivendo uma experiência artística coletiva. 

2.          Integração com as artes: o público infantojuvenil tem sua presença potencializada como conjunto de indivíduos apreciadores, mas também como cocriadores nos espetáculos, oficinas e contações de histórias.  Há nestas experiências uma construção de vínculos afetivos com as obras apresentadas, vínculos reflexivos que geram interesses em aprender e gerar novos saberes e, também, vínculos criativos quando o público se coloca como participante cocriador da obra de arte. Esta integração com a arte valoriza a intimidade, a aproximação e, principalmente, uma autonomia de pensar, sentir e criar através das provocações trazidas pelas diferentes atividades artísticas. As obras escolhidas pelo projeto trazem uma perspectiva de inclusão e reflexão sobre a infância e a juventude e seus saberes ligados à identidade, à liberdade e a diferentes contextos sociais na diversidade. Estes ângulos temáticos criam vínculos com o público que acaba se integrando às obras como cocriadores com suas reflexões autônomas. O integrar-se reconstrói novos olhares para acessar a arte, pois as crianças e jovens se descobrem e se formam como públicos ao aprenderem a irem além do gostar ou não gostar, pois descobrem sabedores de novos códigos artísticos que os vinculam à obra. 

3.          Integração com seus lugares: o deslocamento do público para um teatro ou um outro tipo de espaço gera uma rica aprendizagem na formação do ser apreciador. Cada indivíduo aprende a reconhecer os espaços culturais e o seu direito de ser público. Estes espaços, como o Teatro Vila Velha, são potencialmente um lugar de convivência. O público descobre que pode frequentar e vivenciar o que estes espaços oferecem para sua formação como ser humano criativo e cidadão cultural. As atividades de mediação realizadas nas escolas e ONGs com contação de histórias, oficinas, entre outras ações estimulam o público a valorizar o lugar onde convive e a desenvolver novas noções de pertencimento. Há um reencantamento do lugar, a exemplo de uma sala de aula, com uma ação artística em que os indivíduos se veem empoderados com sua voz, seu corpo e seu ser que cria. O público na presença do outro numa assembleia gerada pela experiência artística amplia sua visão sobre o viver e conviver com arte mudando o sentido do lugar. Este exercício o mobiliza a repensar outros lugares de cultura na cidade e a desenvolver o gosto de viver encontros com arte numa diversidade de espaços da cultura.

 

As crianças e jovens vivenciam processos de potencialização da sua presença criativa no mundo com todos estes níveis de integração com o outro, com a arte e com o espaço. A força que move um olhar, um coração, uma mente através de uma obra, leva este público a repensar seu lugar de transformador de realidades. Suas voz e corpo presentes nos encontros criativos e coletivos mobilizam sonhos. Que sonhos são estes nascidos de momentos integradores gerados pela arte e cheios de prazer? Como estas crianças e jovens verão suas ruas, teatros e salas depois de viverem o potencial da arte que muda espaços? Quais perspectivas de futuros nascem num momento de encantamento com outros públicos e com os artistas numa experiência de apreciação? O que o empoderamento deste público como cidadão cultural e cocriador pode gerar de transformações em seus lugares de convivência? 

São reflexões que observamos ao visualizar o potencial dos processos mediadores do Pé de Feijão. Caminhos de aberturas de olhares e corações que ainda serão percorridos e que serão como atos de semear esperança do viver juntos criando, reconhecendo e conectando com os outros. Crianças e jovens querem descobrir novas formas de se integrarem como indivíduos diversos e criadores e uma das portas para trilhar o viver junto com arte está aberta com o Pé de Feijão


 

* Ney Wendell é um renomado professor de Artes Cênicas na "Faculté des arts de l'Université du Québec à Montréal (UQAM)" no Canadá, com pós-doutorado em Sociologia pela UQAM e vasta experiência como arte-educador, diretor teatral e escritor.


🍀A ação compõe o Pé de Feijão – Arte e Educação, projeto contemplado pelo Edital Transformando Energia em Cultura - Neoenergia, por meio da Lei Fazcultura – Governo do Estado da Bahia

 

💚O Pé de Feijão – Arte e Educação é um projeto que une educação e ações de acessibilidade às artes para a formação de crianças e jovens de Salvador, na Bahia.


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