A Barra Mutilada
Segue texto do professor Ordep Serra, morador da Barra há 29 anos, sobre a proposta de intervenção na orla da Barra, com a retirada do calçamento de pedras portuguesas.
Queria antes aproveitar para lembrar que a consulta feita pelo Ministério Público vai até amanhã e o resultado vai indicar o posicionamento a ser adotado pelo órgão. Por enquanto vence a intenção de substituir o piso tradicional por cimento - com 61,82% dos votos. Infelizmente.
A técnica do Mosaico Português (nome original desse tipo de calçada) é um traço identitário das culturas luso-descendentes. Parece simples ou delirante, mas UNE POVOS. É um crime jogarmos fora mais esse patrimônio, como já fizemos com tantos outros.
Não deixe de votar! De preferência no "Não Concordo"!
O endereço é: http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/principal.asp
Bruno Machado
A BARRA MUTILADA
Uma paisagem urbana que alcança amplo reconhecimento de sua beleza, integra o patrimônio de um povo. Deve ser protegida, jamais adulterada pelos governantes. Considerar os Fortes de São Diogo, de Santa Maria e o de Santo Antônio como monumentos isolados, como “ilhas” em um vazio, esquecendo seu entorno, contradiz o espírito da legislação pertinente ao patrimônio cultural. Um monumento vem a ser degradado não apenas quando se compromete sua visibilidade ou se descuida de sua manutenção; também é desqualificado quando o espaço que o emoldura ou flanqueia sofre intervenção desfiguradora, como está acontecendo. O conjunto formado por esses fortes e a linha de calçada que os interliga na orla construída, com a correspondente balaustrada, deve ser respeitado: há que levar em conta o valor estético da paisagem como um todo. A alteração das balaustradas ou do piso pode afetar o conjunto de maneira negativa, como está sucedendo. Elevando-se o piso, as balaustradas evidentemente “diminuem”, pois uma proporção é quebrada. E no trecho entre o Farol e o Porto, o piso tem um valor pictórico que afeta o conjunto. Tirar-lhe esse valor, garantido pelo arranjo das pedras portuguesas com um desenho característico, é subtrair qualidade estética à composição da paisagem.
Que a calçada em pedra portuguesa integra conjuntos monumentais harmonizando-se com a arquitetura desta mesma tradição pode-se ver facilmente contemplando logradouros famosos em terras lusitanas; este elemento característico também é componente inseparável de conjuntos arquitetônicos e urbanísticos em Angola e em Macau, onde sua presença compõe uma marca histórica. No Brasil, a pedra portuguesa confere valor estético e caráter memorável a sítios famosos como Copacabana e Ipanema; sua remoção evidentemente descaracterizaria tais sítios. A tese de que as pedras portuguesas provocam necessariamente terríveis traumas ortopédicos é bisonha. Nos muitos lugares em que esse tipo de calçamento tem conservação cuidadosa, tais acidentes não acontecem. Mas nenhum calçamento resiste à negligência na manutenção: haja vista o mau estado dos pisos nas Praças da Piedade e da Sé, em Salvador, colocados há pouco tempo.
Salvador sofre hoje um sério dano ecológico com a perda cada vez mais acentuada de cobertura vegetal tratada como obstáculo para a “urbanização” mutiladora. Na calçada praiana da Barra, tivemos de uma vez 5 árvores de grande porte eliminadas, ao ritmo apressado de uma dispendiosa obra eleitoreira, por iniciativa de uma administração municipal que no período de 4 anos nada tinha feito para a restauração urbanística do bairro: nenhuma conservação, nenhuma provisão de equipamento necessário. Mas pode-se falar em “restauração urbanística”quando se atenta contra a integridade de um conjunto monumental e se despreza a consideração do ambiente?
Sem ponderar o impacto ambiental, a sumária derrubada de árvores, na calada da noite, dificilmente se justifica. O laudo apresentado não é convincente. No mínimo, seria necessária a consulta a botânicos especializados que verificassem, com os competentes exames a respaldar-lhes o diagnóstico, a imperiosa necessidade de abater de uma vez todas essas árvores, por insuscetíveis de tratamento e pela iminência de sua queda (simultânea?) em curtíssimo prazo. A alegação de que as árvores estariam “obstacularizando” o novo meio fio apenas mostra que o projeto de implantação desse novo meio fio se pretende um imperativo superior a qualquer outra consideração. A desarborização implica em desconforto e a proposta de substituir cada árvore abatida na Barra por cinco outras em outro local é cruelmente irônica. É também irônico falar em “revitalização da Barra” com um projeto que não contempla a necessária implantação de banheiros públicos, não inclui o conserto das escadas de acesso à praia, não prevê medidas de conservação, segurança e é omisso no tocante a iluminação. Esse projeto precisa ser divulgado e discutido amplamente. Seus custos devem ser expostos e justificados, pois é o povo que vai arcar com os gastos e seu interesse deve sobrepor-se ao dos empreiteiros. O desfiguramento da cidade implica em subtração da qualidade de vida dos cidadãos.
Ordep Serra
Antropólogo-professor FFCH/UFBA
Morador da Barra há 29 anos
Queria antes aproveitar para lembrar que a consulta feita pelo Ministério Público vai até amanhã e o resultado vai indicar o posicionamento a ser adotado pelo órgão. Por enquanto vence a intenção de substituir o piso tradicional por cimento - com 61,82% dos votos. Infelizmente.
A técnica do Mosaico Português (nome original desse tipo de calçada) é um traço identitário das culturas luso-descendentes. Parece simples ou delirante, mas UNE POVOS. É um crime jogarmos fora mais esse patrimônio, como já fizemos com tantos outros.
Não deixe de votar! De preferência no "Não Concordo"!
O endereço é: http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/ceama/principal.asp
Bruno Machado
A BARRA MUTILADA
Uma paisagem urbana que alcança amplo reconhecimento de sua beleza, integra o patrimônio de um povo. Deve ser protegida, jamais adulterada pelos governantes. Considerar os Fortes de São Diogo, de Santa Maria e o de Santo Antônio como monumentos isolados, como “ilhas” em um vazio, esquecendo seu entorno, contradiz o espírito da legislação pertinente ao patrimônio cultural. Um monumento vem a ser degradado não apenas quando se compromete sua visibilidade ou se descuida de sua manutenção; também é desqualificado quando o espaço que o emoldura ou flanqueia sofre intervenção desfiguradora, como está acontecendo. O conjunto formado por esses fortes e a linha de calçada que os interliga na orla construída, com a correspondente balaustrada, deve ser respeitado: há que levar em conta o valor estético da paisagem como um todo. A alteração das balaustradas ou do piso pode afetar o conjunto de maneira negativa, como está sucedendo. Elevando-se o piso, as balaustradas evidentemente “diminuem”, pois uma proporção é quebrada. E no trecho entre o Farol e o Porto, o piso tem um valor pictórico que afeta o conjunto. Tirar-lhe esse valor, garantido pelo arranjo das pedras portuguesas com um desenho característico, é subtrair qualidade estética à composição da paisagem.
Que a calçada em pedra portuguesa integra conjuntos monumentais harmonizando-se com a arquitetura desta mesma tradição pode-se ver facilmente contemplando logradouros famosos em terras lusitanas; este elemento característico também é componente inseparável de conjuntos arquitetônicos e urbanísticos em Angola e em Macau, onde sua presença compõe uma marca histórica. No Brasil, a pedra portuguesa confere valor estético e caráter memorável a sítios famosos como Copacabana e Ipanema; sua remoção evidentemente descaracterizaria tais sítios. A tese de que as pedras portuguesas provocam necessariamente terríveis traumas ortopédicos é bisonha. Nos muitos lugares em que esse tipo de calçamento tem conservação cuidadosa, tais acidentes não acontecem. Mas nenhum calçamento resiste à negligência na manutenção: haja vista o mau estado dos pisos nas Praças da Piedade e da Sé, em Salvador, colocados há pouco tempo.
Salvador sofre hoje um sério dano ecológico com a perda cada vez mais acentuada de cobertura vegetal tratada como obstáculo para a “urbanização” mutiladora. Na calçada praiana da Barra, tivemos de uma vez 5 árvores de grande porte eliminadas, ao ritmo apressado de uma dispendiosa obra eleitoreira, por iniciativa de uma administração municipal que no período de 4 anos nada tinha feito para a restauração urbanística do bairro: nenhuma conservação, nenhuma provisão de equipamento necessário. Mas pode-se falar em “restauração urbanística”quando se atenta contra a integridade de um conjunto monumental e se despreza a consideração do ambiente?
Sem ponderar o impacto ambiental, a sumária derrubada de árvores, na calada da noite, dificilmente se justifica. O laudo apresentado não é convincente. No mínimo, seria necessária a consulta a botânicos especializados que verificassem, com os competentes exames a respaldar-lhes o diagnóstico, a imperiosa necessidade de abater de uma vez todas essas árvores, por insuscetíveis de tratamento e pela iminência de sua queda (simultânea?) em curtíssimo prazo. A alegação de que as árvores estariam “obstacularizando” o novo meio fio apenas mostra que o projeto de implantação desse novo meio fio se pretende um imperativo superior a qualquer outra consideração. A desarborização implica em desconforto e a proposta de substituir cada árvore abatida na Barra por cinco outras em outro local é cruelmente irônica. É também irônico falar em “revitalização da Barra” com um projeto que não contempla a necessária implantação de banheiros públicos, não inclui o conserto das escadas de acesso à praia, não prevê medidas de conservação, segurança e é omisso no tocante a iluminação. Esse projeto precisa ser divulgado e discutido amplamente. Seus custos devem ser expostos e justificados, pois é o povo que vai arcar com os gastos e seu interesse deve sobrepor-se ao dos empreiteiros. O desfiguramento da cidade implica em subtração da qualidade de vida dos cidadãos.
Ordep Serra
Antropólogo-professor FFCH/UFBA
Morador da Barra há 29 anos
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