ENTRELAÇAR MUNDOS: Uma questão do século XXI


por Débora Landim


Pode ser um tiro; podem ser dois ou mil. Pode ser sequestro, atentado ou assalto, na Graça ou em Coutos. No contexto de ampliação da violência a reação é pedir maior seguridade.  Mas o que é seguridade? Um bairro fechado? Escolas com escolta policial?  Praça gradeada? Carro blindado? Ter posse de arma?

Essa demarcação de dentro e fora, indivíduos visíveis e invisíveis, é um signo do nosso tempo que exibe, com crueldade, a dinâmica de uma sociedade desigual e devastada. Mas como construir uma cidadania integral, necessária como possibilidade de contraponto a essa segregação seletiva, racializada? Arrisco resposta: no tecer de redes de aproximação, de visibilidade e acolhimento entre sujeitos, contextos, conhecimentos e fazeres, que permitam revelar fenômenos sociais que se encontram na penumbra da sociedade que habitamos.

Como artista-educadora acredito na necessidade do existir de espaços-territórios (grupos de teatro, organizações não governamentais, espaços culturais, instituições educacionais, coletivos e outros) que funcionem em diferentes esferas e complexidades - municipal, estadual, federal, público e privado - como zonas possíveis para se tecer laços étnico-social-político-ético-afetivos entre os sujeitos e suas diversidades. Acredito, então, na necessidade imediata da maior promoção do existir de espaços-territórios como áreas de aproximação, na busca mesmo do entranhar da educação, das artes e  áreas afins dedicadas à construção do sensível

Aqui, identifico esse “entranhar” como questão social estruturante do século XXI, que pode vir a instituir a autocompreensão do nosso estar no mundo contemporâneo, vivido, com suas certezas e incertezas. Penso que ao estabelecermos diálogos com a educação, artes e áreas afins, haja também uma mudança para melhor de nosso estado de humanidade, o que se mostra urgente

Seguindo nessa relação da educação com a arte, sinalizo o valor da primeira na formação humana geral, mas também pontuo que se faz necessário perceber o valor da segunda como algo indispensável para a construção de um imaginário, que revela ao tempo que constrói a alma de um povo; que nos identifica como sujeitos de uma coletividade; que nos coloca em ação e nos conecta. Possível é separar arte e educação somente para estudá-las como áreas de conhecimentos específicos; mas necessário é pensar nelas, sempre, de forma interligada. 

Por esse viés, percebo que as experiências artístico-educativas vividas num percurso de 28 anos (1995 a 2023), junto a crianças, jovens, artistas e educadores, em espaços-territórios como Escola de Teatro da UFBA (1995-2021), Teatro Vila Velha (1997-2023), Centro Educacional pelas Artes Hora da Criança (1999-2018), Companhia de Teatro Novos Novos (2000-2023), ONG – Moinhos Giros de Arte Cultura e Comunicação (2008-2023) e no CEEPIA/ICEIA – Curso Estadual Técnico Profissional de Teatro (2018-2023), proporcionaram-me uma constante atualização da minha experiência no trajeto artístico e docente, como também ampliaram essa necessária correlação, que julgo imprescindível, entreconhecimentos, sensibilidades, campos de atuação e formas de investigação. 

Credito ser possível por entrelaçamentos vividos na educação, nas artes, e de forma específica no fazer teatro com e para crianças, o construir de uma ética humanística, de uma forma de vida que torne possível ao humano assumir a instabilidade inerente à sua existência. E, assim, compreender o ser criança não só como estado da condição humana, mas, ainda, como “algo” próprio do humano; “algo” que nos conclama a escutar a criança que habita em cada um de nós, a compreender que a substância de ser criança extrapola uma infância datada, cronológica. 

Afinal, a capacidade de vivenciar o sempre imaginar, o ser possível, o que impulsiona a humanidade na direção do novo, aquilo que transgride, que nutre sonhos e transforma sonhos em realidade, é capacidade motor de transformações, qualidade que está sempre presente nas mulheres e nos homens que buscam mudar pra melhor o que está posto. Imaginar, desejar em potência, então, são capacidades que nos invadem e são exercitadas no tempo criança do humano para serem empreendidas não só durante um período cronológico – o tempo de ser criança – mas pela vida inteira. Uma capacidade desejante do novo, do porvir, que é importante e pretendida, portanto, deve ser lapidada ao seu surgimento e no seu desenvolvimento, sempre na busca pela melhor humanização, pela melhor humanidade.

Nesse entrelaçar da educação com as artes e áreas afins, assevero minha crença no potencial de um coletivo. Fazer educação, artes, teatro com crianças, jovens e adultos na vida, em diversas situações, em todos os contextos possíveis, e construir o novo que muda para melhor pessoas para que pessoas mudem para melhor o nosso mundo-Terra.  



Débora Landim é Artista-Educadora. Criadora. Doutora e Mestre em Teatro pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UFBA. 


🍀A ação compõe o Pé de Feijão – Arte e Educação, projeto contemplado pelo Edital Transformando Energia em Cultura - Neoenergia, por meio da Lei Fazcultura – Governo do Estado da Bahia

 

💚O Pé de Feijão – Arte e Educação é um projeto que une educação e ações de acessibilidade às artes para a formação de crianças e jovens de Salvador, na Bahia.


 

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