Cultura para o povo da Bahia

publicado hoje no jornal A Tarde
Foto: Fernando Vivas


REPÓRTER: CECI ALVES

A manhã de ontem na Rocinha, no Pelourinho - atual Comunidade Vila Esperança -, foi mesmo atípica: primeiro, caiu uma chuva forte que amoleceu a lama dos barrancos que dão acesso às casas no local.

Depois, essa lama foi pisada e revirada pela classe artística e cultural baiana, que compareceu em peso para o anúncio/posse do staff que trabalhará com Marcio Meirelles na linha de frente da Secretaria da Cultura estadual.

Nunca a Rocinha viu movimentação igual - um bando de engravatados, câmeras e máquinas fotográficas e até a primeira-dama do Estado, Fátima Mendonça, tomaram de assalto o bucólico local. E o estranhamento foi geral: dos moradores, que riam discretamente dos escorregões que as "otoridades" tomavam no barro fresco; das pessoas que nunca haviam ido ali e faziam cara de paisagem, tentando se misturar aos locais; e daqueles que se questionavam por que aquele anúncio estava sendo feito ali, no desconforto dos pés sujos de lama sob o sol do meio-dia.
Para responder a essa pergunta, Marcio - esse, sim, parecia um morador local no meio da Rocinha e daquele barro todo - tinha a resposta na ponta da língua : "Essa comunidade, aqui, é autoridade para nós, que será ouvida como as outras autoridades presentes", disse ele, no seu discurso de abertura, dando a tônica do futuro de sua atuação como secretário.

"FUNCIONÁRIO PÚBLICO" - "Vamos, a partir de ações como estas, entender o governo não como o outro lado, mas como a extensão da sociedade", disse Meirelles, em entrevista exclusiva que concedeu ao jornal A TARDE, antes da apresentação da sua equipe, que chamou de "time dos sonhos".

"Eu me entendo como funcionário público, me entendo, agora, como empregado do Estado", afirmou."Estou aqui para servir ao Estado, organizando a área de cultura, fomentando, propondo e criando políticas públicas, criando uma legislação para a atividade", resumiu, no ar condicionado da sala de reuniões da administração do Teatro Castro Alves, horas antes de, com seu belo paletó de risca de giz, suar como um cuscuz debaixo do sol inclemente da Rocinha.

Prosseguindo na explicação da escolha pelaRocinha, ele disse: "Eu achei emblemática. Pensei em vários lugares. Mas o Pelourinho é emblemático e esse governo entende que a questão do Pelourinho (reforma e utilização do espaço) é uma questão de cultura, não é só uma questão de obra, de construção.E, também, lembrei de que, quando estava filmando Ó Paí Ó [filme baseado em um texto dele], tinha uma cena em que garotos fogem da polícia e entram num beco. Então, Monique [Gardenberg] quis fazer eles entrando num beco que dá na Rocinha. E uma moradora, Dona Nilzete, foi saber do que se tratava e, quando soube que era isso a cena, não deixou entrar, nem filmar. Falou que estava cansada de mostrarem a comunidade dela como uma comunidade de marginais".

PELÔ - Ele seguiu: "Eu a achei absolutamente correta e pensei: agora, que sou secretário, e posso um pouquinho mais do que um diretor de um grupo de teatro, devo levar o olhar da cidade, o olhar do governo sobre essa coisa invisível, no centro da cidade. Então, foi simbólico nesse sentido".

Ainda na entrevista, Marcio se debruçou sobre questões cruciais, como a conclusão da sétima etapa da reforma do Pelourinho, muito anunciada mas nunca concluída. Ele garantiu que, nesta gestão, ela sai. E que, agora, isso será da jurisdição do Ipac. "Esse assunto está na Conder".

"Mas a idéia, agora, é que a liderança desse processo passe para o Ipac. A Conder vai continuar, provavelmente, executando as obras, mas a responsabilidade da liderança passa para a Cultura, porque é uma questão cultural", garantiu.

POLÍTICAS CULTURAIS - E o ex-gestor do Teatro Vila Velha - Marcio se desligou da Ong que dirige o espaço ?, pretende priorizar mesmo as políticas públicas, com uma forte interlocução com a sociedade.

Um dos exemplos é a implantação de um modelo de gestão para espaços públicos parecido com o do TVV. "A idéia é fazer editais de ocupação dos outros teatros menores, como o Espaço Xis, o Solar Boa Vista, para que grupos ou associações de grupos possam apresentar programas de ocupação desses teatros e façam uma política própria, que possa reproduzir a política do Estado na programação desses espaços", observou Meirelles.

Outro assunto abordado por ele na entrevista exclusiva foi a manutenção de projetos que se sustentaram na gestão anterior, como o FazCultura. "Ele vai ser estudado. O problema do FazCultura não é ele, que é um mecanismo de patrocínio em que, de alguma forma, o Estado, tem interferência prévia, aprovando projetos que podem receber essa verba que é pública. Ele tem muitas vantagens, e você vê o benefício que criou no pensamento sobre políticas públicas". Para ele, o questionamento já é indicador de interlocução com a sociedade.

OUTRAS POLÍTICAS - Marc io Meirelles lembrou, ainda, que faz parte de sua política cultural a instituição do Fundo de Cultura, "outra linha de financiamento que é o direto, em que o governo capta o recurso da empresa privada, e, através de uma escolha de edital, escolhe que projetos vão ser beneficiados".

Para o secretário, o que falta é "uma terceira perna, que é o financiamento direto". "Precisamos criar um microcrédito pra cultura, criar outras coisas de que as empresas da indústria cultural possam se beneficiar." O secretário chamou a atenção para a nova visão que a cultura passa a ter no Estado ? e avisa que a escolha de seu staff se baseou nesse olhar. "Foi uma coisa muito discutida entre mim e o governador e a equipe do governo. Não houve consulta pública, mas teve muitas indicações partidárias. Tudo isso foi analisado com o pensamento e o foco na funcionalidade, na construção de um time que trabalhe e que jogue em uníssono".

"Estou muito feliz", exulta. "Foi uma composição, e acho que é um time muito bom... É um time de sonhos, porque são pessoas comprometidas com cada área em que elas vão estar. E todos têm um perfil de pessoas que agregam, que conseguem trazer para junto outras pessoas, ações e atividades".

"A produção cultural tem que visar a auto-sustentabilidade", comentou. "Isso tem que ser um pensamento de toda a produção cultural. Então, o pensamento da economia da cultura é um dos tripés da nova secretaria. A idéia é culturalizar mais a administração pública nesse sentido".

Com base nesse raciocínio, Marcio destrinchou a escolha da equipe. "Começando pela Fundação Cultural do Estado, o novo perfil da fundação é de formulador de políticas públicas para as linguagens, mais especificamente", contou.

"Então, na verdade, a Funceb vira mais uma fundação das artes, no sentido que vai cuidar não da cultura como um todo, mas das linguagens". Nessa linha, a Secult vai criar várias diretorias para cada linguagem, "como a de dança, que é Lúcia Matos; de teatro, de música, artes plásticas. Estamos pensando numa diretoria especial, que cuide do acompanhamento das políticas de ocupação dos equipamentos, um programa de circo e de ópera".

Choro e suor

E, na Rocinha, Marcio não só suou como chorou, emocionado, ao ver o ator Jorge Washington, do Bando de Teatro Olodum, sua verdadeira casa, na solenidade. A voz embargou e ele confessou: "Saudades do Bando!".

Mas isso foi no final, quando fez, um a um, todos os membros de sua sonhada equipe , e mais outras autoridades presentes, comporem a mesa, que ficava em cima de um barranco, à sombra de vários pés de bananeira.

Para os mais inteirados na área, nenhuma novidade - só um ou outro nome que não havia ainda sido confirmado. Fofoca, mesmo, só a que o próprio Marcio suscitou, ao anunciar que o ator Caco Monteiro também comporia a sua pasta, mas sem dizer que cargo ocuparia.

"Ele é uma coisa híbrida, vai assumir um órgão que ainda está na Bahiatursa, mas que vai vir para a Secult e vai ser anunciado depois", despistou Marcio, sem querer passar por cima da autoridade do secretário de Turismo, Domingos Leonelli, pois ele sempre se preocupa em seguir à risca os ritos do cargo público que ora ocupa.

Mas, não adiantou o mistério: o próprio ator revelou, sem maiores subterfúgios, que iria dirigir o Bureau do Audiovisual.

OS NOMES - Assim, debaixo de um sol escaldante e depois do palavrório que Marcio impingiu aos presentes (o secretário parecia mais estar em cima de um palco, ou dirigindo uma peça) foram empossados: a nova diretora da Diretoria de Artes Visuais e Multimeios - que sai do organograma da Fundação Cultural e vai para o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) -, a cineasta e jornalista Sofia Federico; o novo diretor geral do Irdeb, o cineasta Pola Ribeiro - que foi alvo de boataria de que renunciaria ao cargo por ter recebido verba federal para a realização de seu último filme, O Jardim das Folhas Sagradas -; o diretor do Teatro Castro Alves, o cenógrafo Moacyr Gramacho; e o diretor artístico da Orquestra Sinfônica da Bahia, o pianista Ricardo Castro.

Também foram anunciados o diretor da TV Educativa da Bahia, o documentarista Josias Pires; o novo diretor do Ipac, Frederico Mendonça; o diretor da Fundação Pedro Calmon, Ubiratan Castro; a diretora da Fundação Cultural do Estado, a acadêmica Gisele Nussbaumer - ao se referir a ela, o secretário alfinetou ex-dirigentes de cultura da Secretaria de Cultura e Turismo, sem citar nomes, mas afirmando: "A Fundação Cultural só teve uma gestora até hoje, de triste memória" -; o superintendente de Cultura e Desenvolvimento Econômico Paulo Henrique Almeida; e a diretora do projeto Pelourinho Dia e Noite, a jornalista Ivana Souto; e outros nomes, de assessores especiais, como Hilda Machado, além de Ângela Andrade, para a Superintendência de Fomento à Formação e Integração.

Representando a Prefeitura, estava o presidente da Fundação Gregório de Mattos, Paulo Lima; e, da classe artística, nomes como a dramaturga Aninha Franco; o cantor Gerônimo; o cineasta Roque Araújo, entre outros (Ceci Alves).

Comentários

Postagens mais visitadas