Pesquisando o Medo

A Cia Novos Novos está passando pelo processo de criação de sua próxima montagem, que terá um elenco digno de nota: 40 crianças e adolescentes que hoje fazem parte do grupo. Depois de passar pelo mundo da literatura e da imaginação, pela preocupação com o meio-ambiente, com a liberdade e de discutir diferenças, a turma dirigida por Débora Landim parte para um tema totalmente novo: o medo.


Novos Novos se preparam para estrear Ciranda do Medo

Com o título de Ciranda do Medo, a peça irá mexer com os novos bichos-papões que vêm azucrinando crianças e adolescentes. Com texto de Sônia Robatto, o jovem elenco encenará a história do Dono do Medo e seu lucrativo negócio de vender emoções fortes. No palco, a Novos Novos utilizará metáforas e uma linguagem singela para mostrar como os meios de comunicação, a violência e outros aspectos da correria do cotidiano atual estão interferindo no imaginário da garotada.

Os ensaios e a pesquisa estão rolando. Como o assunto tem muitos desdobramentos, a cada dia as coisas vão aparecendo aos poucos. No final de março, por exemplo, Débora compareceu a um bate-papo com alunos do Colégio Villa Lobos, no qual falou da influência da literatura na criação cênica. O encontro, que integrou a programação do Armazém Literário, serviu também como parte da busca de material para a nova montagem. Em contato com os estudantes, além de apontar os livros como fonte de inspiração para a dramaturgia da Novos Novos, a diretora propôs uma atividade, pedindo a todos os presentes que escrevessem sobre seus medos. Como as pessoas poderiam se identificar ou não, houve grande liberdade e acabou se tornando um interessante momento de catarse em sala de aula. Eis uma mostra do que apareceu por lá:

Tenho medo do futuro. Medo de perder amizades. Medo do que a vida pode nos proporcionar. Medo da morte, de não alcançar meus objetivos. Medo do meu futuro profissional. Medo de perder familiares.

Eu tenho medo de mim, dos outros, de não fazer o que quero, de deixar para trás meus antigos sonhos, perdidos. Tenho medo de me perder, de não me encontrar em nenhum lugar, nem em nenhum lugar dentro de mim. Tenho medo da cidade, de gente, de calçada curta, do buraco na rua e do buraco na cabeça. Tenho medo da verdade, da mentira, de olhar para trás, de ficar, de olhar para frente. Quero só ficar aqui quietinho sem pensar. Pensar também dá medo.

Eu tenho medo de pessoas más! Eu tenho medo de barata, tenho medo de ser feia, de atitudes contra o bem. Eu tenho medo dos políticos, tenho medo da sociedade e do grande avanço do mundo em busca do capitalismo. Tenho medo de ficar sozinha. Tenho medo de que aconteçam guerras e de um mundo onde não haja pessoas dignas. Eu tenho medo de quem posso ser a partir do mundo.

Eu tenho medo de que um dia as pessoas não confiem mais umas nas outras, de que o fantasma da violência e da desigualdade acabe com os sonhos, com as eseranças e com a vontade de lutar pelos seus direitos e de instituir um mundo justo para todos. Talvez seja uma grande hipocrisia o que estou dizendo, mas isto é o que eu penso.

Eu tenho medo dos humanos, dos seus atos do futuro, do presente. Do escuro da solidão. Eu tenho medo da ganância do poder, dos sonhos, da morte e mais ainda, da vida. Tenho medo do frio e da fome. De causar decepção ou ser decepcionada. Tenho medo de ter medo.

Comentários

  1. Caramba, isso é tão assustador quanto bonito.

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  2. que beleza, endosso o que jacyan escreveu.

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  3. Insinuante...
    Instigador...
    Provocativo...
    Verdadeiro...
    Maravilhoso!

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