Vila Velha Social Club*


Dos fatores que me levaram a escolher a Gamboa de Cima para morar, mais do que a vista da Baía de Todos os Santos, a proximidade com o Chez Bernard, a mítica de ser vizinho imaginário de Genaro de Carvalho, Batatinha e de personagens de Jorge Amado, ou fazer feira aos sábados no Largo Dois de Julho, pesou o fato de ser exatamente atrás do Teatro Vila Velha.

É de se estranhar que logo eu diga isso - eu que não sou afeito às artes cênicas, e particularmente não gosto de teatro (ou melhor: não gosto disso que se faz hoje em dia e se chama, erroneamente, de teatro; gosto no entanto de Teatro, aquele que se fazia até Beckett, inclusive). Ocorre que o Teatro Vila Velha é mais do que um teatro, no sentido de espaço para as artes cênicas, tanto quanto uma boa biblioteca não pode ser um lugar meramente de guardar livros, um bom museu deve servir para várias outras coisas além de expor obra de arte (e Lina Bo Bardi bem sabia disso ao garantir que o Museu de Arte Moderna da Bahia, no Solar do Unhão, tivesse uma praia sempre muito frequentada pelos moradores dos arredores, desde a Gamboa de Baixo até os Barris).

Arqueologicamente, o Vila Velha sempre herdou a sina de ser um espaço que, sendo das artes, é mais do que delas - é da política porque dos encontros da pólis. Era assim com a Galeria Oxumaré, de onde brotou o modernismo bahiano, tardio mas potente; foi assim ao romper com a encenação naturalista da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (único dos campi de artes produzidos pelo Magnífico Edgar Santos cuja linguagem era do século XIX e não do XX - em tempo: não vejo nisso demérito), e surgir no meio do governo de Luís Vianna Filho, que tentava fazer barricada, salvando alguns espólios da Avant Gard, contra os coturnos dos milicos que já tentavam arrombar a porta; depois, com sua resistência e reerguimento nos anos 1990 junto com o Bando de Teatro Olodum, justamente em contraponto a reforma esvaziadora do Pelourinho sob o carlismo; e por último (mas não por fim), gerando o primeiro (e até agora único) Secretário de Cultura do Estado da Bahia que chama(va) a indústria cultural predatória, especulativa e monocultória pelo nome que tem: Axé-System (e com todas as consequências em execução de políticas públicas que isso teve).

No ano de 2012, o Vila Velha deu outros passos nesta direção. Quer indiretos e discretos, como a abertura de seu café ao longo do dia, passando a concorrer com outros restaurantes executivos do centro de Salvador, e garantindo assim uma maior circulação e ocupação do Passeio Público (espaço em que o Vila se insere e que, não fosse isso, seria um parque totalmente desertificado - Jane Jacobs dá as dicas...); quer sediando generosamente o Movimento Desocupa, que pode fazer coincidir claramente o problema da especulação imobiliária e da especulação cultural, através do seu ataque frontal ao Camarote Salvador, e a partir dele contra a mutilação sofrida pela Lei Orgânica do Uso do Solo nesta capital reconvexa sob sua última e neuropática des-prefeitura; e dentro disso, a série A Cidade Que Queremos.

Dizendo assim, parece que o Velho Vila é um bunker quase politburo; contudo, quem o frequenta sabe que o agenciamento é involuntário, afetuoso e afetivo, e micropolítico. Gosto de ir no Vila para simplesmente ficar sem fazer nada de sério, quando ele está lotado mesmo em eventos de que não gosto, como o Festival Viva Dança - que aliás consegue unir companhias profissionais, escolas de balet da alta burguesia de Salvador, e molecada de hip-hop das periferias nordestinas, tudo ao mesmo tempo (que outro espaço você conhece que faria isso, leitor?); gosto de ir no Vila para escrever e me inscrever em prêmios de Literatura - costumo dizer que cumpro residência literária no Teatro Vila Velha, só nunca fui pago para isso, até porque é dom & dádiva, jamais dívida.

E, como um dos primeiros críticos da nova geração a se levantar contra a bobagem de se dizer que o formato-canção morreu, queria lembrar que em 2012 o Teatro Vila Velha acirrou sua abertura para eventos musicais. Sim, talvez isso tenha começado lá em 2009, quando houve edições do Baile Esquema Novo na sua salaprincipal, desterrados que estávamos com o fim da Boate Boomerangue; e ganhou força quando, em 2010, o Encontro de Compositores passou a existir - evento de que me sinto co-autor, uma vez que realiza in vivo o que apenas fiz in vitro com meu Cartel Sobre A Canção (série de entrevistas em que fica claro que a canção é sobretudo, e vale repetir a título de redundância, um utensílio político em seus efeitos e em suas causas, porque da pólis e na pólis).  

* Texto de Lucas Jerzy

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