A VALA COMUM - Páginas do Processo - nº 02
Continuando a falar do processo criativo da Vala Comum...
"A segunda fase do processo de pesquisa, criação e montagem da Vala Comum, chamei de CABEÇA-PÉ - fazendo uma metáfora da cabeça nas nuvens e os pés no chão.
Durante cerca de 30 dias, enveredamos no processo de construção de cenas a partir de improvisações norteadas por reportagens de jornal, de revistas e de sites da internet; por vídeos, múscias e textos poéticos que tem algum tipo de ligação com a temática do texto-base, de autoria do angolano José Mena Abrantes.
Cada ensaio, neta fase, era dividido em duas partes. No primeiro momento trabalhávamos exercícios ligados a bioenergética e a exaustão física, buscando um estado dilatado para a cena, mais aberto ao universo denso da criação e livre de couraças adquiridas no seu percurso sob a linha do tempo, e um corpo tonificado para a construção das imagens reveladas na própria estrutura física do ator, como do coletivo. Também trazia jogos para despertar a ludicidade e o entrosamento do coletivo, afinal no elenco de 10 pessoas, apenas 05 vinham desenvolvendo um trabalho mais continuado (há cerca de 01 ano). os outros nunca haviam trabalhado juntos, pessoas que nem sequer sabiam da existência da outra agora se encontravam num mesmo espaço para ensaio, onde compartilhavam suas particularidades e sua história de vida.
No momento seguinte, dividia o grupo em subgrupos e cada um recebia um texto, ou um fragmento de música, ou uma reportagem, ou um depoimento, ou ainda uma fotografia, e então num dado espaço de tempo eles esboçavam uma cena livremente - fosse pra contar o que ali estava, fosse para tomar aquilo como base para criar uma outra história; de maneira narrativa, com música ou não, idependente de quem era o que. tudo era livre e permitido. o tempo inteiro friso que não existe certo nem errado, bonito nem feio, este ou aquele... o que existe é a leitura do que se faz, se isso serve ou não para este processo é algo que eu (diretor) tenho que optar, afinal eu sou o olhar de fora!
E nesta etapa dois caminhos eram apontados, a partir da dramaturgia do texto. Uma que o nome A VALA COMUM já sugere uma pesquisa acerca das valas comuns utilizadas ao longo da história mundial para dar sumiço em milhões de pessoas. Foi então que me deparei com a questão: "Qual é a vala comum de hoje" E a resposta, me veio com uma leitura mais atenta do texto, mergulhando na história dessa mulher guerreira que vai em busca de um menino morto e desse menino que morre com um tiro ao atravessar a rua. Um tiro. O que levou esse menino a tomar um tiro? Quem deu esse tiro? E essa mãe - o que fica dela sem o filho?
A disputa pelo poder. Isso é o texto inteiro se fala disso, é um querendo mandar no outro, tomar o outro, ser mais que o outro, um duela pra ver quem fica com o corpo do filho morto... E hoje, vivemos nesse universo, é um conflito entre PM e bandidos, entre facções, entre representantes do poder, entre candidatos a qualquer coisa, e cada vez mais é maior o número de mortes, de assaltos, de sequestros - a violência se impõe, é crescente o seu índice.
E Salvador é uma cidade onde a violência parece velada. Não se pode mais andar na rua de bobeira, não existe mais parâmetro para reconhecer um assaltante, não existe predisponibilidade temporal para o furto, quiçá para tomar um tiro ou uma facada ou um soco... Salvador está sitiada. E as pessoas não parecem reconhecer isso. A violência é sempre algo distante. Só acreditamos quando acontece conosco ou com alguém próximo... E o que se faz para evitar ou controlar ou reduzir os índices de violência? Se antes os casos de violência aconteciam a noite ou em bairros mais distantes ou em períodos mais festivos (como carnaval, final de ano, S. João...), agora não existe isso. No Campo Grande, as 16h, uma pessoa é assaltada, outros vêm e nada é feito... celular, relógio, dinheiro, cartões, tudo é levado... Na Avenida Sete, as 10h, a bolsa é aberta e a carteira é tirada que nem se percebe... em inúmeros bairros o Toque de Recolher é instaurado!
E é essa a Vala Comum de hoje... se fala de números, de dados estatísticos, de casos, de protestos... mas na verdade, quem sabe a dor de perder um filho?! É essa dor de quem fica, a saga dessa mulher que rasga o mundo em busca do corpo do filho que um dia lhe rasgou pra vir ao mundo.
E esses personagens? Quem são essas pessoas? A minha pesquisa é em cima da possibilidade de ser qualquer um. Não quero enveredar na contação de uma história específica e fechada. Quero uma obra aberta, de modo que as leituras sejam múltiplas. Pois todos podemso estar no lugar desse filho ou dessa mãe...
Podia ser seu filho, amigo, irmão
seu pai, sua mãe, sua paixão
Podia ser você ou qualquer um
(...)"
por Luiz Antônio Jr.
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