Festa frustrada
MinC e entidades questionam criação de lei calcada na Rouanet e defendida por associações de produtores e estrelas globais
(Sérgio Maggio - Da equipe do Correio Braziliense )
Ney Piacentini, da Cooperativa Paulista de Teatro: "proposta elitista"
Regina Duarte (com Cristovam Buarque): "teatro quer morar só"
Fotos: Paulo H.Caravalho/CB
Do lado do plenário, o caldo havia entornado muito antes de os convidados chegarem à mesa. O presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Ney Piacentini, acusava os colegas de covardes por não terem convidado o segmento combativo dos grupos para se sentar à roda de debate. Em mãos,tinha o documento discutido por representantes de companhias de norte a sul que propõe outra regra para o fomento do teatro brasileiro: a do fundo público de cultura. "Estou aqui representando 800 grupos e 4 mil sócios. Quero questionar a representatividade dessa mesa, comandada por associaçõesde produtores do Rio e de São Paulo. Eles querem criar mais uma lei sustentada pelo incentivo fiscal, o que só vai beneficiar espetáculos de apelo midiático (leia-se estrelados por atores globais) e de alto custo parao espectador. É uma proposta elitista", sentenciou.
As distorções da Lei Rouanet foram expostas em detalhes por Celso Frateschi. Ele forneceu números assustadores. Mostrou que espetáculos erguidos com dinheiro público têm ingressos cobrados em valores que chegam a um salário mínimo. E que o dinheiro investido nessa economia gerada pelo teatro não volta para a arte. Acaba no bolso dos empresários e produtores. Lembrou que, apesar dos lucros tirados na montagem de uma temporada geralmente curta, o mesmo investidor entra de novo na lei para pleitear a próxima produção, fazendo do Estado uma escora para enriquecimento próprio. "Eu pergunto: para que vamos criar uma lei semelhante à Rouanet? Para que montar um órgão paralelo ao que existe no Ministério da Cultura (MinC)?", questionou, referindo-se à proposta de montar uma Secretaria Nacional do Teatro.
O filho de Regina
O questionamento desmontou o que parecia articulado pelos entusiastas do projeto de lei. Regina Duarte, que se mostrou abismada com os números de Frateschi, recorreu à vida pessoal para manter-se convicta. Contou que o filho quer sair de casa sem motivo aparente. "Ele argumentou que não deseja mais ter um cotidiano misturado com a minha conta de luz. Quer um relacionamento de qualidade comigo. É assim que me sinto em relação a essa lei: o teatro quer sair de casa e morar sozinho. A relação com o MinC está burocratizada", desabafou a atriz, revelando que tem projeto emperrado no ministério. "Eles sequer atendem ao meu telefonema", bradou, o que gerou preocupação imediata no senador Eduardo Suplicy: a de o governo atual retaliar a militante do PSDB por conta do antológico relato "eu tenho medo", feito no programa eleitoral de José Serra, na eleição de 2002. A atriz riu ebalançou a cabeça negativamente, sinalizando que nada mais há a temer.
No plenário, o ator e diretor mineiro Marcelo Bones representava a Redemoinho, entidade que abriga os principais grupos de teatro do país. Veio também para discordar da lei proposta. "Somos 70 companhias. Temos clareza de que a lei de incentivo fiscal promove a má distribuição dos recursos." A proposta alternativa, encaminhada ao senador e presidente da comissão, Cristovam Buarque, pelas mãos de Eduardo Suplicy, prevê a criação de um fundo de fomento, desenvolvimento e acesso, com orçamento próprio e regras claras e democráticas. As verbas seriam distribuídas por regiões, evitando a concentração. "As posições claras e antagônicas desta mesa justificam a natureza de uma audiência pública. Teremos mais algumas e convidaremos outros segmentos para sentar e discutir o tema", ponderou Cristovam. A audiência foi acompanhada pelos atores Odilon Wagner e Beatriz Segall e pelo secretário do MinC, Sérgio Mamberti.
Visivelmente irritado, o presidente da Associação dos Produtores Teatrais do Rio de Janeiro, Eduardo Barata, foi taxativo com as posições oficiais doMinC. "Não somos burguesinhos em nossos escritórios tomando uísque. Somos trabalhadores do teatro. Empregamos pessoas e pagamos impostos", argumentou, reafirmando a necessidade de uma lei própria para o mercado. No discurso, citou a problemática da meia-entrada e disse em alto e bom som como faz para calcular o preço do ingresso. A matemática, que todos sabem na prática, é que o valor da meia é dado pela inteira. Mas falar isso, com todos os números, no Senado Federal, é uma afronta ao direito adquirido por estudantes e pessoas acima de 65 anos. É a triste lógica do mercado.
(Sérgio Maggio - Da equipe do Correio Braziliense )
Ney Piacentini, da Cooperativa Paulista de Teatro: "proposta elitista"
Regina Duarte (com Cristovam Buarque): "teatro quer morar só"
Fotos: Paulo H.Caravalho/CB
A atriz Regina Duarte anunciou a audiência pública, ocorrida ontem no Senado, como uma festa que reunia a classe artística em torno de projeto de lei de incentivo para o teatro. Mas, àquela altura da confraternização, parte dos convidados já tinha azedado o que parecia ser mais um "chá das cinco" entre produtores culturais e estrelas de novela das oito. A começar pelo presidente da Funarte, Celso Frateschi, que, numa fala precisa etécnica, deu um choque de realidade no grupo de bem-intencionados senadores da Comissão de Educação, Cultura e Esporte. "Não podemos propor o novo sem entender o velho", referiu-se à Lei Rouanet, que, sucateada, concentra hoje na Região Sudeste 80% dos recursos captados, promovendo o enriquecimento de empresários e a morte de companhias que fazem do teatro expressão de vida.
Do lado do plenário, o caldo havia entornado muito antes de os convidados chegarem à mesa. O presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Ney Piacentini, acusava os colegas de covardes por não terem convidado o segmento combativo dos grupos para se sentar à roda de debate. Em mãos,tinha o documento discutido por representantes de companhias de norte a sul que propõe outra regra para o fomento do teatro brasileiro: a do fundo público de cultura. "Estou aqui representando 800 grupos e 4 mil sócios. Quero questionar a representatividade dessa mesa, comandada por associaçõesde produtores do Rio e de São Paulo. Eles querem criar mais uma lei sustentada pelo incentivo fiscal, o que só vai beneficiar espetáculos de apelo midiático (leia-se estrelados por atores globais) e de alto custo parao espectador. É uma proposta elitista", sentenciou.
As distorções da Lei Rouanet foram expostas em detalhes por Celso Frateschi. Ele forneceu números assustadores. Mostrou que espetáculos erguidos com dinheiro público têm ingressos cobrados em valores que chegam a um salário mínimo. E que o dinheiro investido nessa economia gerada pelo teatro não volta para a arte. Acaba no bolso dos empresários e produtores. Lembrou que, apesar dos lucros tirados na montagem de uma temporada geralmente curta, o mesmo investidor entra de novo na lei para pleitear a próxima produção, fazendo do Estado uma escora para enriquecimento próprio. "Eu pergunto: para que vamos criar uma lei semelhante à Rouanet? Para que montar um órgão paralelo ao que existe no Ministério da Cultura (MinC)?", questionou, referindo-se à proposta de montar uma Secretaria Nacional do Teatro.
O filho de Regina
O questionamento desmontou o que parecia articulado pelos entusiastas do projeto de lei. Regina Duarte, que se mostrou abismada com os números de Frateschi, recorreu à vida pessoal para manter-se convicta. Contou que o filho quer sair de casa sem motivo aparente. "Ele argumentou que não deseja mais ter um cotidiano misturado com a minha conta de luz. Quer um relacionamento de qualidade comigo. É assim que me sinto em relação a essa lei: o teatro quer sair de casa e morar sozinho. A relação com o MinC está burocratizada", desabafou a atriz, revelando que tem projeto emperrado no ministério. "Eles sequer atendem ao meu telefonema", bradou, o que gerou preocupação imediata no senador Eduardo Suplicy: a de o governo atual retaliar a militante do PSDB por conta do antológico relato "eu tenho medo", feito no programa eleitoral de José Serra, na eleição de 2002. A atriz riu ebalançou a cabeça negativamente, sinalizando que nada mais há a temer.
No plenário, o ator e diretor mineiro Marcelo Bones representava a Redemoinho, entidade que abriga os principais grupos de teatro do país. Veio também para discordar da lei proposta. "Somos 70 companhias. Temos clareza de que a lei de incentivo fiscal promove a má distribuição dos recursos." A proposta alternativa, encaminhada ao senador e presidente da comissão, Cristovam Buarque, pelas mãos de Eduardo Suplicy, prevê a criação de um fundo de fomento, desenvolvimento e acesso, com orçamento próprio e regras claras e democráticas. As verbas seriam distribuídas por regiões, evitando a concentração. "As posições claras e antagônicas desta mesa justificam a natureza de uma audiência pública. Teremos mais algumas e convidaremos outros segmentos para sentar e discutir o tema", ponderou Cristovam. A audiência foi acompanhada pelos atores Odilon Wagner e Beatriz Segall e pelo secretário do MinC, Sérgio Mamberti.
Visivelmente irritado, o presidente da Associação dos Produtores Teatrais do Rio de Janeiro, Eduardo Barata, foi taxativo com as posições oficiais doMinC. "Não somos burguesinhos em nossos escritórios tomando uísque. Somos trabalhadores do teatro. Empregamos pessoas e pagamos impostos", argumentou, reafirmando a necessidade de uma lei própria para o mercado. No discurso, citou a problemática da meia-entrada e disse em alto e bom som como faz para calcular o preço do ingresso. A matemática, que todos sabem na prática, é que o valor da meia é dado pela inteira. Mas falar isso, com todos os números, no Senado Federal, é uma afronta ao direito adquirido por estudantes e pessoas acima de 65 anos. É a triste lógica do mercado.
Excelente artigo de Sérgio Maggio, baiano arretado, que fez boas críticas do Folha da Bahia, e agora está em Brasília. Temos que ficar atentos a este novo golpe dos globais.
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