O mistério em cena - por Raulino Júnior

Fernanda Veiga e Neto Cajado na peça A História dos Ursos Pandas - Foto: Marcio Meirelles


Estar na plateia do espetáculo A História dos Ursos Pandas, em cartaz no quinquagenário Teatro Vila Velha, é participar de uma experiência em que a curiosidade é aguçada o tempo todo e o mistério que envolve os personagens também sequestra os espectadores. Tudo é estranho. Tudo tem lógica. Tudo não tem. É bem verdade que, em teatro, as coisas não precisam ser bem explicadas, didáticas. A história apresentada é aquela que tem sentido para você, a que você leva na cabeça quando volta para casa. O texto de Matéi Visniec é repleto de possibilidades. O diretor Marcio Meirelles seguiu, apenas, uma delas.

Um homem e uma mulher acordam (ou continuam a sonhar?), um do lado do outro, nus. Ele não lembra como ela foi parar na sua casa nem na sua cama. Ela lembra e age com naturalidade diante da situação. Naturalidade, inclusive, que acompanha a boa atuação da atriz Fernanda Veiga. O dinâmico jogo teatral se desenrola a partir daí. Durante nove noites, eles convivem com dramas, momentos engraçados e incertezas. Às vezes, são almas gêmeas. Às vezes, não. Contudo, a oposição predomina. A começar pela cor dos cobertores que envolvem cada um, logo no começo da peça: o dele, preto; o dela, branco. Ela é tranquila, serena. Ele tem uma personalidade um pouco mais explosiva.

No palco, cinco atores estão em cena, mas o protagonismo fica por conta de Fernanda e Neto Cajado, que estão com o texto na ponta da língua. Na cena em que o personagem de Neto conta um pouco sobre a história da própria família, o ator dá as pausas e nuances necessárias para o longo trecho escrito por Matéi. A ação teatral dos dois atores é bem orquestrada, mesmo com os poucos aspectos negativos aqui e ali.

A História dos Ursos Pandas acerta no cenário, na luz e na música. A única ressalva está na omissão da parte do texto que vem após à nona noite, e que consta na tradução da obra feita por Alexandre David. Quem lê o texto e vê a peça se pergunta por que a cena não foi representada. Com simples recursos de dramaturgia e algumas adaptações, ela poderia ter sido feita. A encenação abdicou de uma das imagens mais poéticas do texto.
 
* Raulino Júnior é professor da rede estadual de ensino, jornalista e compositor. Mantém o blog "Desde que eu me entendo por gente". 

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