Considerações sobre o teatro baiano em dois finais de semana*


Nos dois últimos finais de semana, me dei à oportunidade de conferir algumas peças que estão em cartaz, na certeza de que, para apurar meu senso crítico como estudante de comunicação eu deveria mergulhar mais fundo na programação cultural da cidade – seja para compreender este universo ou para decifrar como eu preciso me posicionar nele – optei em ficar atento a especificamente seis espetáculos diferentes (dois destes, integrantes da programação do FIAC) e o resultado que vi em cada um deles me deixou bastante otimista sobre meus entendimentos, ainda prematuros, acerca do teatro baiano atual e futuro. Minhas escolhas foram: Los Catedrásticos – Nova Mente (Teatro ISBA) / Drácula (Teatro Vila Velha) / Sargento Getúlio (Teatro Molière) / O Sumiço da Santa (Teatro ACBEU) / Áfricas (Teatro Vila Velha) / 7 Conto (Teatro Jorge Amado), em cada peça, é perceptível uma força diferente, uma sintonia própria que, no conjunto, revela um teatro de várias expressões e sentidos, um teatro com a cara da Bahia e que merece ser aplaudido (cada vez mais) pelos seus conterrâneos.

Do multimidiático "Drácula" de Meirelles ao tradicional e conciso "Sargento Getúlio" de Gil Vicente é revigorante saber como o teatro baiano está encarando de frente, e com ousadia, todas as dificuldades e limitações impostas e enfrentadas pelo atual cenário cultural em que encontra-se a cidade no momento. Promessas eleitoreiras estão aos montes por aí para reafirmar que a cultura é um dos pontos chaves para o desenvolvimento da cidade, mas na prática, o que se vê são companhias e produtoras de espetáculos sem grandes reconhecimentos (mas batalhando pela visibilidade do seu espaço) e se esforçando ao máximo para se manter em atividade, estando assim, encurraladas por editais, patrocínios e pelos lucros da bilheteria, nesta pressão organizacional faz-se necessário pesquisar, criar e apresentar, a todo o momento, novas montagens de espetáculos atrativas para convencer e conquistar a atenção tanto da comissão julgadora dos editais, quanto dos patrocinadores, da crítica e, sobretudo, do público, o que exige um esforço cada vez maior das produções e artistas na construção e realização de cada peça. 

Tamanha engrenagem dos bastidores de uma produção passa totalmente despercebida durante as apresentações de cada espetáculo (que duram em média 01 hora), o que permite, talvez, o indelicado pedido de cortesias daqueles camaradas que podem tranquilamente pagar pelo espetáculo, mas preferem dispensar o ato pelo arcaico “status” de que “sou convidado do artista, ou então, amigo da produção”, talvez, estes discursos egocêntricos – dos quais, confesso ter também compartilhado ao assistir um destes espetáculos como convidado – ainda não tenham percebido o tamanho da carência de incentivo que envolve o teatro e não enxerga a cultura como investimento e despesa, tal como fazemos quando vamos ao restaurante e pagamos a conta sem contestar o valor atribuído, o que vem a ser uma contradição, pois a cultura também nos alimenta. Além disto, pude observar o quanto a falta de educação de alguns espectadores ainda persiste em intervir durante as apresentações, nestes momentos, presenciei artistas renomados exigindo respeito de uma minoria que se fazia ali presente, confesso que não sei com qual intenção.

Dentre os assistidos, “Los Catedrásticos – Nova Mente” se destaca pela sintonia entre os atores e pela relação estabelecida com a platéia durante o espetáculo, o que torna as interpretações em torno do repertório de pagodes bem elaboradas e executadas, sendo as mesmas calorosamente recebidas com os aplausos da plateia. “Drácula” se destaca pelo diferencial que traz aos palcos, e neste caso, literalmente, pois tanto a organização do palco e a interação de personagens – como o Drácula (onipresente) e o Dr. Van Helsing (deslocado) – quanto à persistente inserção do audiovisual na montagem (recurso usado por Meirelles também em “Bença” e “O Olho de Deus – O avesso dos retalhos”) dá um novo ritmo à narrativa complexa e chega a ser um trunfo harmônico que (eu) acho que Meirelles não conseguia emplacar com tanta sutileza em suas montagens predecessoras.

Para “Sargento Getúlio” o destaque é centrado tão somente na interpretação sublime de Carlos Betão que comprova ao público o porquê do reconhecimento nos Prêmios Braskem de Teatro de “Melhor Ator” e “Melhor Espetáculo” de 2011, sendo tal atuação devidamente refinada pela direção precisa de Gil Vicente Tavares. Neste ponto, é curioso o conflito saudável de gerações e propostas para o futuro do teatro, pois Meirelles (sendo mais velho que Gil Vicente) aposta na renovação de como vemos o teatro, na modernização de uma esfera secular, enquanto Gil parece apostar na tradição, na singularidade da obra centrada no ator e nas suas explorações cênicas exigidas em cada montagem. Creio ser uma grata oportunidade, poder acompanhar em tão pouco tempo experiências diferentes, me confrontar com ambas as propostas e contemplá-las num mesmo nível, isto permite analisar que o teatro dá margem para que as produções percorram mais de um caminho sem se desgastar ou entrar em conflito entre si.

Por outro lado, creio que “O Sumiço da Santa” se destaque pelo texto popular e tradicional, trazendo para o palco um renomado elenco, cada ator soube defender seus personagens com precisão e personalidades singulares (já que alguns atores, interpretaram mais de um personagem no decorrer da narrativa), a surpresa da apresentação fica com os destaques na atuação dos jovens Deilton José (com seu coroinha impagável) e Laís Machado (que “encarna” uma Dona Canô irreverente), ambos os atores roubavam a cena a cada instante que apareciam no palco. “Áfricas”, por sua vez, tem por destaque o diálogo com as crianças sem abrir mão de entreter também os adultos, todo o encanto lúdico dos contos africanos retratados em cena era de uma sensibilidade ímpar que através das danças, músicas e figurinos conseguiu cativar a atenção do público (que lotou o teatro neste domingo – 30/09), e por fim, embora não menos importante, fui prestigiar a (também lotada) sessão de “7 Conto – A Comédia” do excelente Luís Miranda, que levou para os palcos críticas sociais com uma abordagem bem humorada de causos do cotidiano, o texto é muito bem construído e a atuação do comediante justifica o sucesso em que se encontra o espetáculo.

No fim das contas, é visível o quanto o teatro baiano está se dedicando para comprovar que o investimento dado por cada setor está sendo bem usado. Do ingresso (em média R$30 - inteira) ao patrocínio, tudo está sistematicamente comprometido e destinado para dar fôlego às temporadas e custear as despesas de uma equipe de profissionais que merece ser mais valorizada e respeitada socialmente, neste contexto, a chegada de mais uma edição do FIAC ajuda (e muito) a girar a engrenagem cultural e constrói uma dinâmica saudável para o sustento da arte na cidade, convidando um público cada vez menos inclinado às artes cênicas para romper as barreiras e prestigiar o teatro local e de outros estados e países. Parafraseando o célebre Euclides, podemos também afirmar que "O teatro baiano é, antes de tudo, um forte" e é por esta força que quero me guiar e seguir em frente, mesmo que eu perceba que na próxima esquina tudo se mostre diferente. Salve, salve o teatro baiano e vamos prestigiá-lo mais e mais!!!

*Texto: Leandro Souza
Graduando de Produção Cultural - Facom/UFBA

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