Um mar de angústia




O espetáculo A Mar Aberto, do Coletivo Artístico Atores à Deriva (RN), abriu a programação do projeto Habite-se no Teatro Vila Velha. Escrito e dirigido por Henrique Fontes, o drama tem inspiração no livro de Guimarães Rosa Grande Sertão: veredas, clássico da literatura nacional. “A referência está, principalmente, na paixão de Riobaldo por Diadorim. Contudo, no romance, o jagunço descobre que Diadorim é mulher, isso não acontece com o pescador da minha história. Também utilizo algumas expressões da linguagem roseana no texto”, esclarece Fontes, 37 anos.



Amar fechado

A peça trata da angústia de um pescador para conter o seu desejo, que é a paixão por outro pescador, mais jovem. O nome do espetáculo traz uma ambiguidade que já denuncia o desfecho do drama: A mar aberto, que pode ser uma referência à expressão “amar aberto”. Ou seja, amar de forma aberta, de acordo com a verdade de sentimentos, vivendo o próprio desejo, sem se esconder. Contrapondo-se, nesse sentido, à expressão “amar fechado”, que é exatamente o contrário.



José Hermílio, vivido por Doc Câmara, tenta o tempo todo se desviar das rotas que insistem em querer levá-lo para os braços de Júlio (João Victor). O público acompanha essa luta do personagem e se surpreende com a veracidade com que as ações são postas. Tudo contribui para inserir a plateia na história: o cenário e o figurino (feitos por Thiago Vieira), a trilha sonora (de Danúbio Gomes), a iluminação (de Daniel Rocha) e os efeitos cênicos, que são muito bem colocados pelo diretor. A equipe de produção usa todas as possibilidades cênicas que o palco pode dar e isso torna o espetáculo primoroso. A atriz e assistente social Lúcia Nascimento, 57 anos, reconhece: “Eu gostei da peça e da maneira como as cenas são conduzidas. Achei o enredo interessante. Os efeitos cênicos dão a impressão de que os atores estão mesmo no mar. Foram simples, mas ricos”.  No elenco, além de João Victor e Doc Câmara, estão Alex Cordeiro (Batista), Bruno Coringa (Aurelino) e Paulo Lima (Misael).



Para o jovem ator João Victor, de 24 anos de idade e 14 de carreira, a abordagem da homossexualidade no espetáculo serve para que as pessoas busquem seus desejos, independentemente de quais sejam. “Para mim, é supernormal discutir essa temática, uma vez que convivo com muitas pessoas que são homossexuais. O tema ainda choca a sociedade, mas vejo que as coisas estão começando a mudar. A gente cumpre um papel de levar à plateia a mensagem de ir atrás de seus desejos. Se rola o desejo, por que esconder? É humano da mesma forma. A peça discute isso de uma forma poética, sem agressividade”.



Habite-se

O projeto Habite-se, produzido pela A Outra Companhia de Teatro com o apoio do Teatro Vila Velha, tem o intuito de realizar um intercâmbio cultural entre grupos de teatro de diferentes lugares do Brasil. Até o dia 29 de julho, o Vila será palco de espetáculos, oficinas e uma mesa-redonda. “Acredito que essa troca de conhecimento é importante para a construção do próprio conhecimento, porque ajuda a significar e ressignificar”, opinou a pedagoga Priscila Uzêda, 27 anos, sobre o projeto. A programação completa e mais informações sobre o Habite-se podem ser conferidas no site www.teatrovilavelha.com.br.


Texto: Raulino Junior


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