Que cultura queremos?
Assisto perplexa a um almoço em praça pública, em jornal, tevê, rodas de conversa. O almoço sobre a carne de quem tenta quebrar modelos tortos de se fazer cultura. A cultura na Bahia era como uma festa, cujo aniversariante convida 100 convidados, mas só concede a fatia do bolo para cinco, seis no máximo. Um bolo construído à custa dos 100 convidados, que quase sempre ficam a ver navios. A sentir fome. As verbas do Fazcultura dessa terra eram centralizadas em Salvador, nas mãos de pouco mais de 20 produtores. 93% da cultura da Bahia era empregada na capital. Migalhas para o restante desse estado, que é quase um continente.
O Pelourinho é hoje o “mártir” para a imprensa baiana. É também o algoz da Secretaria de Cultura do estado, que busca quebrar os vícios instaurados naquele terreno por anos. Sim, os bares estão às moscas, não há graça nenhuma hoje no Centro Histórico de Salvador. Mas é papel do governo pagar as atrações musicais que vão atrair público para as casas noturnas da região? É papel de o governo investir no mercado do entretenimento local? Quando vou aos bares do Rio Vermelho, assisto a programações culturais que os comerciantes locais viabilizam. Assim é na Ribeira, assim é na Orla, assim é em qualquer lugar dessa e de qualquer terra. No vício do Pelourinho, é papel do estado pagar as atrações musicais ou culturais para lotar os bares e restaurantes. Ou pior, investir em atrações privadas, cedendo um espaço público para produtores locais cobrarem ingressos exorbitantes. É essa a cultura que sempre foi, é essa a cultura que essa população espera?
E no meio dessa história toda, um teatro que por anos, sim, contribuiu para a cultura soteropolitana. Espaço para artistas da terra, mas mais do que isso, espaço para um público novo, que desconhecia outros palcos e que podia ali assistir a espetáculos de qualidade, a conhecer aquilo que se chama teatro. O Theatro XVIII, que hora, tem as portas fechadas foi por muito um feliz espaço que promoveu a democratização do acesso a cultura, a formação de novas platéias. Talvez, pouco aberto para artistas não tão próximos da administração do teatro, um tanto focado num séqüito, mas por outro lado, uma casa que dava acesso a um público diferente, a cidadãos que não conheciam outras salas, outros atores, outras peças. Àqueles que não dispunham de convites ou recursos para verr outros espetáculos.
Ok. Esse teatro fez muito pela cultura de Salvador, mas isso não o isenta de fiscalização, visto que há ali recursos públicos. Da mesma forma como é feito nas organizações sociais que conheço. Se eu uso um recurso que é do estado, é meu dever prestar contas. Assim como é dever do estado pedir explicações dos gastos. Se eu afirmo que vou gastar com cultura, que sentido tem eu entregar uma comprovação de agropecuária? Uma nota fiscal que não cabe para aquele universo com o qual estou afirmando trabalhar. Trabalho com organizações e recebo minha remuneração através da estrutura de pessoa jurídica. Se meu trabalho é com comunicação, só posso usar uma nota fiscal da área de comunicação. Não posso ser jornalista e dar a meu cliente uma nota fiscal da quitanda...é natural então, que meu cliente não aceite essa nota, que ele questione. Há algo de errado.
Assim, pergunto. O que há de errado com a Secretaria de Cultura proceder na letra da lei? Essa terra é tão tonta, tão tosca, que quando a lei é cumprida, as pessoas se sentem ultrajadas, humilhadas... não sei. Será que precisamos dar um jeitinho? Por mais gente boa que eu seja, se minhas contas estão pouco corretas, se a prestação não está de acordo, não posso me queixar se o meu parceiro financeiro exige o recurso de volta. Se há erros...se há pendências ou coisas questionáveis. É assim nos lugares em que trabalho, em qualquer empresa. Assim deve ser no estado. Presumo.
Mas não é o que a imprensa mostra. O Governo é execrado por cumprir sua lei. É execrado por exigir que os comerciantes invistam em seus próprios empreendimentos. Que recursos o Governo investe no Rio Vermelho? Que incentivos são dados para os bares dessa região? O que justifica um tratamento diferenciado com o Pelourinho? Sim, falta segurança... como falta segurança no próprio Rio Vermelho, no Campo Grande, na Piedade (onde morro de medo de transitar à noite), em Plataforma, no Bonfim, no Cabula. Falta segurança nessa terra inteira...o Pelourinho não deve ser privilegiado, nem mártir.
Pela primeira vez na existência dessa Bahia, acontecem encontros por várias localidades para se discutir que cultura as pessoas desse estado desejam. Que cultura queremos. Nunca vi isso aqui. Nunca me perguntaram. Nem aos amigos de Feira de Santana, Vitória da Conquista, Senhor do Bonfim, entre tantos cantos...que cultura queremos, baianos? A cultura maquiada? Queremos investimentos da cultura do trio elétrico? Em blocos que cobram mais que nossos salários para tocar uma música pasteurizada? Queremos a cultura de uma dúzia de produtores endinheirados nesse estado que tem pelo menos quatro centenas de municípios? Queremos o Governo do Estado investindo em festas fechadas de camisa? É essa a cultura que queremos? Se é essa, provavelmente, esse sujeito que aí está não é a pessoa...
E quanto ao XVIII torço que volte com todo gás, abrindo as portas para tantos baianos. Mas que volte organizado, bem administrado, como deve ser qualquer instituição. Seja ela da cultura, farmácia, movimento social.
Falo como artista, moradora do Pelourinho, ativista social, freqüentadora do XVIII, sonhadora.
Mônica Santana (http://casadaatriz.blogspot.com/)
De fato!
ResponderExcluirAs palavras de Mônica são bem colocadas, ordenadas e pontuadas!
Compactuo das mesmas colocações e uso as palavras dela para expressas o que sinto neste momento - embora não seja morador do Pelourinho... entretanto, sou do interior, e me assusta ainda esta profusão toda diante da denominada "crise da cultura" (pela maior parte dos veículos de comunicação).
Cada vez mais é preciso falar, ouvir, discutir. Sair da esfera pessoal e atingir outros horizontes.
Luiz Antônio Jr.
Acho pertinente o que Monica coloca, sim... Quantas vezes fui ao TCA e sentia nitidamente que era um dos poucos que pagava, entre uma maioria de convidados, para ver um espetáculo... o Estado tinha essa mania de bancar o espetáculo e a platéia também, contribuindo para a maquiagem geral em tantas áreas... claro que isso não exime o Estado de sua responsabilidade de, o tempo todo, estar antenado para as Políticas Culturais... de reparar na imensidão de um Estado e suas várias tendências e vocações culturais... de contribuir para a Formação de Platéias, possibilitando acesso a quem não pode pagar, por exemplo...
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