Crítica: Boa direção de As Palavras de Jó não salva atuação irregular de Márcio Meirelles

O diretor Márcio Meirelles em cena da peça. Foto: Eduardo Coutinho / Divulgação

por Eduarda Uzêda / Jornal A Tarde
euzedaluna@gmail 


O artista Márcio Meirelles tem mostrado o seu talento de encenador mesmo quando dirige espetáculos em que os atores não conseguem brilhar no palco, quando não logram transformar palavras em imagens ou não se impõem pela força dramática.

Com As Palavras de Jó, solo em cartaz no Teatro Vila Velha, domingo, às 19 horas*, não é diferente. O Márcio Meirelles diretor apresenta uma eficiente proposta de encenação para o texto do romeno Mátei Visniec, mas não salva a atuação irregular (muitasvezes sem peso) do Márcio Meirelles enquanto ator.

Sim, o intérprete volta ao palco depois de 36 anos da última atuação (o seu último trabalho como ator foi no espetáculo Alice – Fantasia Dramática, do grupo Avelãs y Avestruz,em1979). E, vale lembrar, também o solo As Palavras de Jó integra o Projeto Matéi, do Vila Velha, em que Meirelles dirige cinco peças, inclusive a que ele mesmo atua.

Desperdício


São muitas atividades, poucos conseguiriam dar conta, mas o papel aqui é de analisar. E minha percepção pessoal é que Márcio Meirelles, na construção do personagem, falha em lições primárias do “exercício de casa” de um ator, a exemplo de dar peso diferente às palavras para valorização da dramaturgia.

Neste contexto, a maior parte das vezes, as palavras ditas pelo personagem, a exemplo de “sentido”, “esperança”, ”celebração”, “partilha”, “confiança”, etc, são entoadas sem colorido cênico, quase linear. São desperdiçadas do seu poder evocatório de imagens.

Quando Márcio consegue, entretanto, é belo. Um destes momentos é quando o personagem Jó fala de sua casa.

“Eu gostei de receber, em minha casa, visitas, viajantes, estrangeiros, curiosos... Minha casa sempre teve os braços abertos. Era uma casa de mil braços. Venham, venham, eu dizia a todo mundo, vocês são como as estrelas, vocês brilham pela sua diversidade...”

A casa de mil braços


Talvez pela associação com a casa “de mil braços” do Teatro Vila Velha, o texto, neste trecho dito com muita verdade interior, emociona. Outro belo momento é quando o personagem Jó, que não perde a fé no homem, grita.

Na encenação de Matéi, Jó, uma alusão ao Jó bíblico que não perde a fé em Deus, continua acreditando no homem, apesar de lhe cortarem os dedos, furarem seus os olhos, arrancarem sua língua, perfurarem seus tímpanos, decapitarem seus filhos e violentarem sua mulher, ente outras mazelas.

Pausas demasiadas


As demasiadas pausas são outro problema do espetáculo, mas como diretor Meirelles acerta na economia de artefatos cênicos para priorizar o discurso de resistência de Jó, que tem a ver com a trajetória do próprio encenador. No último domingo, a plateia reagiu de maneira morna, ao contrário da estreia, que foi mais efusiva. Até agosto, entretanto, o espetáculo deverá amadurecer.


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