Genérico de Cidade
Há um conto de Italo Calvino, no livro As cidades invisíveis, que vai sintetizar a cidade e seu percurso ao longo do tempo. Ele nos fala de Tecla – o urbano em perpétua construção. "Escondida atrás dos tapumes, das defesas de pano, dos andaimes, das armaduras metálicas, das pontes de madeira suspensas por cabos ou apoiadas em cavaletes, das escadas de corda, dos fardos de juta", há uma obra que tem por objetivo, no gesto de construir a cidade, evitar sua própria destruição. Para toda uma tecnologia que a erige, existe por baixo nova leva de artefatos que a sustentam. Existiria, portanto, um fim a ser indefinidamente evitado. Um fim que abarcaria, segundo os habitantes de Tecla, "não só a cidade". Essa é a questão com que o leitor se identifica. Vai-se o espaço urbano, vão-se seus habitantes. Criatura e criador num mesmo desfecho.
Interessante pensar que o esforço cotidiano que fazemos de "inventar formas possíveis de convivência" recebe o reflexo direto de uma concretude traduzida em espaços. De tijolo em tijolo, nos prédios, em volumes exóticos ou simples, em traçados sinuosos ou retilíneos, de rua em rua, a cidade poderia contribuir, de alguma forma, para o que não fazemos: o ato de ser e somar com outros seres.
Mas, certamente, há de haver um certo denominador comum para tamanha humanidade. Um plano, um projeto. Fala-se na beleza do desejo que move para frente, e também em que se deixe, simplesmente, repercutir "a grandeza de ter vivido e de viver" de cada um, projetada como um eco único e digno, junto de outros ecos, pelas tantas brechas da cidade. Dessa multiplicidade construída sob o diverso saudável das diferenças, sem julgamentos, brotaria inevitavelmente uma admiração recíproca entre nós, enfim, uma solução coletiva para a felicidade. Estaríamos então fadados a um
outro destino. Volto para Tecla...
"O trabalho cessa ao pôr-do-sol. A noite cai sobre os canteiros de obras. É uma noite estrelada. – Eis o projeto – dizem."
obs: além do texto de Calvino, cubano que viveu na itália, as inspirações vêm de um outro livro, em várias crônicas que não me canso de ler: Terra de ninguém, do italiano, muito brasileiro, Contardo Calligaris.
Sérgio Rivero - para "HABITAT"
Salvador. Mergulhados nela, no seu cotidiano e nas suas entranhas, nem percebemos tamanha beleza como a revelada pelas fotos. Que maravilha é a nossa cidade!
ResponderExcluirP.S. Quanto ao texto, é maravilhoso. Parabéns!
GFrancisco