Projeto O que Cabe neste Palco apresenta: Xeque-mate
Absurdo no Vila!

O grupo Tablados do Absurdo surgiu do interesse em estudar e conhecer melhor a estética do Teatro do Absurdo, de autores como Samuel Beckett, Eugene Ionesco e Fernando Arrabal. Das discussões e leituras, naturalmente veio a prática, com a encenação de trechos de algumas peças como Esperando Godot e Fim de Partida, de Beckett. Encantados com a possibilidade de abordar a natureza humana num universo complexo de relações através de uma estética que escapa ao realismo, os artistas conceberam Xeque-mate, inspirados pela obra Fando e Lis, de Fernando Arrabal. Nesta peça, um casal e um grupo de homens encontram-se a caminho da cidade de Tálus. Juntos, ao mesmo tempo em que querem se desgarrar uns dos outros, mantém-se numa relação ambígua de isolamento e dependência, pontuada por uma crueldade quase infantil. Nesta entrevista, os diretores Hedre Lavnzk Couto e Marcelle Pamponet falam um pouco sobre a montagem e o trabalho do grupo.

Qual é o tema da montagem?
A peça aborda as peculiaridades de comportamento implícitas nas relações humanas, o modo inseguro como o homem lida consigo mesmo e com o próximo; numa sociedade hipócrita, cheia de relações simuladas, de aparências. Mostramos a busca da razão como algo inatingível. Questionamos: quais são as regras e estratégias usadas nessa busca?

Por que Xeque-mate?
Observando as ações dos personagens desta peça é inevitável não se deixar levar e encantar pela inebriante sensação da cartada eminente, da constante estratégia psicológica que os personagens exigem uns dos outros. A todo instante, inesperadamente, desfere-se um golpe. A cada palavra, gesto, olhar e mesmo na respiração, dá-se um xeque. E este pode ser o último: o xeque-mate. Entre eles, está configurado um jogo, estar na estrada, é como estar num tabuleiro. E ao que parece o jogo não pode acabar. É como se o tabuleiro não pudesse jamais descansar, as peças ali continuam... disponíveis, impenetráveis, inseparáveis, comendo umas as outras.

O que caracteriza a estética do absurdo?
De um modo geral o teatro do absurdo trabalha uma imagem concreta de personagens decadentes, presos num desesperado presente eterno, envolvidos por uma profunda atmosfera de alienação, pessimismo e incomunicabilidade. Eles se encontram num estado de afasia, onde cada sussurro exige o esforço de toda uma vida. Como se não bastasse, na obra de Arrabal, o homem se debate diante de uma possível existência de uma lei moral que não conhece perfeitamente. Aqui esses personagens vivem num interminável ciclo de erros e culpas, suas ações são uma mistura de ingenuidade e crueldade semelhante às das crianças.

Como estes elementos aparecem na montagem?
Procuramos ser fiéis ao universo da peça e provocar a identificação do público com os personagens. Por isso, em relação à construção visual, optamos por fazer da estrada de Tálus um caminho circular "sem começo nem fim", além disso, colocamos o público no meio dela. Existe também o carrinho de bebê que transporta Lisa, o guarda-chuva usado pelos três homens, reforçando simbolicamente a interdependência dos personagens. E há uma série de coisas que optamos por manter em aberto, uma vez que "fechadas", correríamos o risco de tornar o espetáculo menos rico.

Vocês não têm receio de que o espetáculo seja taxado como hermético?
Interessante pensar sobre isso, mas acreditamos que nosso trabalho seja para todo tipo de espectador. Sabemos que estamos lidando com uma estética ainda bastante inexplorada, o enredo não é linear e os conflitos não são determinados segundo uma estrutura tradicional. Por outro lado, o universo que abordamos é, ao mesmo tempo, excêntrico e familiar à maioria das pessoas. Quem de nós não se depara com a dificuldade de se comunicar? O que colocamos em cena são as nossas próprias relações, descortinadas de um modo tão cruel, que assusta.

Pelo que vocês falaram, é um espetáculo bastante pessimista. Essa é a visão de mundo de vocês?

Os textos absurdos são pessimistas,desolados; a construção dos personagens e sua materialização, idem, mas procuram alcançar o contrário. Estamos buscando um antídoto desse quadro de confusão de valores experimentado pelo nosso tempo. Por trás, há um aviso de que ainda é possível melhorar. Os próprios personagens da peça representam a persistência, quando afirmam "vamos tentar mais uma vez". Existe em tudo isso um otimismo implícito. Nos identificamos com Arrabal nessa vontade de gritar que ainda há luz no fim do túnel. Achamos que ainda é possível chegar à Tálus.

em cartaz
sex/sab - 19h
r$ 5

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