Carta Aberta a Lomanto por João Augusto em 1964:
Isso é aquilo: A arte o enfarte
CARTA ABERTA DIRIGIDA AO GOVERNADOR LOMANTO JUNIOR
Excelência:
Por ter a convicção de que o Teatro tem um lugar privilegiado numa sociedade de trabalho, de que Teatro não é luxo, de que Teatro (por suas virtudes próprias) deve ser levado à responsabilidade dos Poderes Públicos ? e por achar que não venho pedir favor algum, nem para o Teatro dos Novos, nem para qualquer outro grupo da Cidade mas, pelo contrário, na certeza de que ofereço mais do que peço e defendendo um dos meios que o governo deve contar para desempenhar um dos papeis que lhe cabe por obrigação (o educativo, no caso) dirijo a V. Excelência esta CARTA ABERTA, postulando o mínimo de condições materiais e econômicas que permitam ao teatro funcionar e cumprir seu verdadeiro significado entre nós.
Que força de persuasão deverei ter (ou alguém possuir) para falar com um homem público a importância do Teatro? de qualquer Arte? Quantos autores terei de citar para repetir que toda sociedade (industrial, socialista ou capitalista) coloca no número dos problemas sociais mais importantes o problema do ?lazer ativo?, das horas vagas? Quantas vezes dizer que o Teatro ultrapassa os compartimentos sociais ideológicos? Quantas vezes lembrar que não existem problemas do Teatro que possam ser focalizados sem referencia à sociedade, ao futuro de uma sociedade ou de um regime? Quantas vezes, e de que maneira fazer claro e conseqüente que qualquer orçamento que se dedique ao teatro não representa para o Estado, para a Cidade, para o Povo um luxo que vai sacrificar imperativos mais urgentes do Estado, da Cidade, do Povo? Quantas vezes?
Já o fiz uma vez (em março deste ano) quando vos enviei um "Plano de Trabalho" (Teatro-serviço público. Poderes Públicos. Poderes Privados. Falência dos Poderes. Planejamento. Fatos). Mas aquele "Plano de Trabalho", por mais que me esforçasse em ser objetivo e breve, tinha quinze páginas. E como até hoje não recebi nenhum chamado de V.Excia. e como talvez V.Excia não venha a ler esse trabalho e como não tenho nenhuma vocação para publicar coisa alguma? uso esta CARTA ABERTA para voltar ao assunto.
Muita gente diz, Excia., que a Bahia não precisa de cultura, mas de feijão. Diz que arte é "brincadeira", que o Povo não se interessa pela arte. Qualquer sociólogo apressado identifica logo o problema do teatro como um "fenômeno econômico", pontificando que o brasileiro mal tem o que comer. Mas sabemos, Excia., que não é essa a melhor razão. Os que "mal têm o que comer" dão boas rendas aos estádios de futebol. E reparai nisso: não é só no sul que isso acontece. Haja vista o último "Botafogo versus Bahia". A promoção no futebol é superior em nossa terra a qualquer promoção à cultura. (Não pensai contudo, pelo Senhor do Bomfim, que sou contra o futebol, pelo contrário.)
Quando não é com o argumento da "fome", Excia., que procuram justificar o desprestigio, a dispensa e o desinteresse pelas artes, é com o raciocínio de que somos ?um país de analfabetos?, esse escândalo da nossa cultura. Mas essa também não é a melhor razão, Excia. Os cinemas andam cheios desses "analfabetos" que fazem filas diante das bilheterias, sobretudo quando se trata de filme estrangeiro. E não é muito provável que o "brasileiro analfabeto" conheça bem o inglês e o francês, ou o italiano, já (que não sabe ler as legendas.) Outros argumentos mais diversos são usados. Nenhum deles entretanto nos dá a melhor razão.
A razão melhor, Excia., sabemos todos? é o eterno problema da Educação. Que possibilidades tem nosso Povo de se educar? Que fazem pela Cultura os Poderes Públicos? E os Podres Privados? E os Particulares? Criam procriam e prestigiam meios de deseducação. Esses meios, V. Excia. sabe quais são. Muita gente sabe. Muitos deles tratei no trabalho que vos enviei, e não vou agora repeti-los: como homem político V.Excia. deve saber muito bem que a eficiência dessa carta depende da noção que eu tenha do fato de não dizer tudo o que eu penso sobre o meu assunto.
Excia. nenhum grupo que se dedica ao teatro em nossa terra tem acolhida na Secretaria da Educação e Cultura do governo; Dessa Secretaria (para um exemplo) a Sociedade Teatro dos Novos trabalhando há quatro anos (e quem faz teatro entre nós, Excia., sabe o que isso significa, além de organização e equipe) até hoje, como único incentivo, reconhecimento, estímulos ou amparo, recebeu em 1960, a quantia de 50 mil cruzeiros pelo patrocínio de um espetáculo apresentado em Itaparica. Cito o exemplo dos "Novos", e não acredito que algum outro grupo tenha recebido outro auxilio melhor.
Também em 1960 a câmara Estadual, através de alguns de seus membros mais esclarecidos, designou ao Teatro dos Novos verba para auxilio de uma construção (notícia pública e publicada). Até hoje, Excia., a Secretaria da Fazenda não pagou aos ?Novos? toda essa verba. O Serviço Nacional de Teatro do Ministério de Educação e Cultura também ? até hoje, Excia. ? não enviou o auxilio prometido e esperado da sua Campanha Nacional de Ajuda ao Teatro.
São muitos os problemas de Teatro na Bahia. É empresa extremamente difícil e delicada fazer-se teatro entre nós. Além de vários empecilhos naturais (que existem na própria classe) há ainda a falta maior ? a falta de amparo e assistência do Governo. Porque não criar na Secretaria de Educação, Excia., um Serviço de Teatro ou um Departamento de Cultura, como os que existem no Rio, em São Paulo, no Recife? Existem já, Excia? Se existem então, porque não fazê-los funcionar e cumprir sua finalidade? Que normas, que exigências, que critério adotar, que compromissos assumir para os grupos existentes na Cidade receberem uma ajuda, mínima que seja, do governo?
Sabemos, Excia. que há um milhão de crianças sem escola na Bahia (vosso discurso de posse), mas também acreditamos no que o teatro pode significar na educação dessas crianças e na educação dos pais dessas crianças. Sabemos, Excia. que há apenas oito mil leitos hospitalares para seis milhões de habitantes (vosso discurso de posse) mas também acreditamos no que o teatro pode dar a esses seis milhões de habitantes. Conhecemos as condições sub-humanas de habitação nos Alagados: já estivemos lá fazendo Teatro, Excia. Não somos indiferentes a esses problemas maiores. Os problemas de V.Excia (como Governador) nos dizem respeito, tanto quanto diz respeito a V.Excia. Não seríamos nós portanto que iríamos lesar a solução desses problemas. Pelo contrário ? acreditamos que podemos colaborar na solução deles. É por isso, Excia., por causa disso ? que eu assino esta CARTA - :
Isso é aquilo: A arte o enfarte
CARTA ABERTA DIRIGIDA AO GOVERNADOR LOMANTO JUNIOR
Excelência:
Por ter a convicção de que o Teatro tem um lugar privilegiado numa sociedade de trabalho, de que Teatro não é luxo, de que Teatro (por suas virtudes próprias) deve ser levado à responsabilidade dos Poderes Públicos ? e por achar que não venho pedir favor algum, nem para o Teatro dos Novos, nem para qualquer outro grupo da Cidade mas, pelo contrário, na certeza de que ofereço mais do que peço e defendendo um dos meios que o governo deve contar para desempenhar um dos papeis que lhe cabe por obrigação (o educativo, no caso) dirijo a V. Excelência esta CARTA ABERTA, postulando o mínimo de condições materiais e econômicas que permitam ao teatro funcionar e cumprir seu verdadeiro significado entre nós.
Que força de persuasão deverei ter (ou alguém possuir) para falar com um homem público a importância do Teatro? de qualquer Arte? Quantos autores terei de citar para repetir que toda sociedade (industrial, socialista ou capitalista) coloca no número dos problemas sociais mais importantes o problema do ?lazer ativo?, das horas vagas? Quantas vezes dizer que o Teatro ultrapassa os compartimentos sociais ideológicos? Quantas vezes lembrar que não existem problemas do Teatro que possam ser focalizados sem referencia à sociedade, ao futuro de uma sociedade ou de um regime? Quantas vezes, e de que maneira fazer claro e conseqüente que qualquer orçamento que se dedique ao teatro não representa para o Estado, para a Cidade, para o Povo um luxo que vai sacrificar imperativos mais urgentes do Estado, da Cidade, do Povo? Quantas vezes?
Já o fiz uma vez (em março deste ano) quando vos enviei um "Plano de Trabalho" (Teatro-serviço público. Poderes Públicos. Poderes Privados. Falência dos Poderes. Planejamento. Fatos). Mas aquele "Plano de Trabalho", por mais que me esforçasse em ser objetivo e breve, tinha quinze páginas. E como até hoje não recebi nenhum chamado de V.Excia. e como talvez V.Excia não venha a ler esse trabalho e como não tenho nenhuma vocação para publicar coisa alguma? uso esta CARTA ABERTA para voltar ao assunto.
Muita gente diz, Excia., que a Bahia não precisa de cultura, mas de feijão. Diz que arte é "brincadeira", que o Povo não se interessa pela arte. Qualquer sociólogo apressado identifica logo o problema do teatro como um "fenômeno econômico", pontificando que o brasileiro mal tem o que comer. Mas sabemos, Excia., que não é essa a melhor razão. Os que "mal têm o que comer" dão boas rendas aos estádios de futebol. E reparai nisso: não é só no sul que isso acontece. Haja vista o último "Botafogo versus Bahia". A promoção no futebol é superior em nossa terra a qualquer promoção à cultura. (Não pensai contudo, pelo Senhor do Bomfim, que sou contra o futebol, pelo contrário.)
Quando não é com o argumento da "fome", Excia., que procuram justificar o desprestigio, a dispensa e o desinteresse pelas artes, é com o raciocínio de que somos ?um país de analfabetos?, esse escândalo da nossa cultura. Mas essa também não é a melhor razão, Excia. Os cinemas andam cheios desses "analfabetos" que fazem filas diante das bilheterias, sobretudo quando se trata de filme estrangeiro. E não é muito provável que o "brasileiro analfabeto" conheça bem o inglês e o francês, ou o italiano, já (que não sabe ler as legendas.) Outros argumentos mais diversos são usados. Nenhum deles entretanto nos dá a melhor razão.
A razão melhor, Excia., sabemos todos? é o eterno problema da Educação. Que possibilidades tem nosso Povo de se educar? Que fazem pela Cultura os Poderes Públicos? E os Podres Privados? E os Particulares? Criam procriam e prestigiam meios de deseducação. Esses meios, V. Excia. sabe quais são. Muita gente sabe. Muitos deles tratei no trabalho que vos enviei, e não vou agora repeti-los: como homem político V.Excia. deve saber muito bem que a eficiência dessa carta depende da noção que eu tenha do fato de não dizer tudo o que eu penso sobre o meu assunto.
Excia. nenhum grupo que se dedica ao teatro em nossa terra tem acolhida na Secretaria da Educação e Cultura do governo; Dessa Secretaria (para um exemplo) a Sociedade Teatro dos Novos trabalhando há quatro anos (e quem faz teatro entre nós, Excia., sabe o que isso significa, além de organização e equipe) até hoje, como único incentivo, reconhecimento, estímulos ou amparo, recebeu em 1960, a quantia de 50 mil cruzeiros pelo patrocínio de um espetáculo apresentado em Itaparica. Cito o exemplo dos "Novos", e não acredito que algum outro grupo tenha recebido outro auxilio melhor.
Também em 1960 a câmara Estadual, através de alguns de seus membros mais esclarecidos, designou ao Teatro dos Novos verba para auxilio de uma construção (notícia pública e publicada). Até hoje, Excia., a Secretaria da Fazenda não pagou aos ?Novos? toda essa verba. O Serviço Nacional de Teatro do Ministério de Educação e Cultura também ? até hoje, Excia. ? não enviou o auxilio prometido e esperado da sua Campanha Nacional de Ajuda ao Teatro.
São muitos os problemas de Teatro na Bahia. É empresa extremamente difícil e delicada fazer-se teatro entre nós. Além de vários empecilhos naturais (que existem na própria classe) há ainda a falta maior ? a falta de amparo e assistência do Governo. Porque não criar na Secretaria de Educação, Excia., um Serviço de Teatro ou um Departamento de Cultura, como os que existem no Rio, em São Paulo, no Recife? Existem já, Excia? Se existem então, porque não fazê-los funcionar e cumprir sua finalidade? Que normas, que exigências, que critério adotar, que compromissos assumir para os grupos existentes na Cidade receberem uma ajuda, mínima que seja, do governo?
Sabemos, Excia. que há um milhão de crianças sem escola na Bahia (vosso discurso de posse), mas também acreditamos no que o teatro pode significar na educação dessas crianças e na educação dos pais dessas crianças. Sabemos, Excia. que há apenas oito mil leitos hospitalares para seis milhões de habitantes (vosso discurso de posse) mas também acreditamos no que o teatro pode dar a esses seis milhões de habitantes. Conhecemos as condições sub-humanas de habitação nos Alagados: já estivemos lá fazendo Teatro, Excia. Não somos indiferentes a esses problemas maiores. Os problemas de V.Excia (como Governador) nos dizem respeito, tanto quanto diz respeito a V.Excia. Não seríamos nós portanto que iríamos lesar a solução desses problemas. Pelo contrário ? acreditamos que podemos colaborar na solução deles. É por isso, Excia., por causa disso ? que eu assino esta CARTA - :
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