VILA + 58 entrevista:
Sonia Robatto, protagonista do espetáculo Espelho para Cegos
Atriz e escritora baiana desbravante do além da imaginação de livros infantis, Sonia Robatto estreou nos palcos do Teatro Vila Velha onde foi uma das fundadoras da Sociedade Teatro dos Novos. Com uma memorável passagem pelo Vila, em 2014 Sonia protagonizou o espetáculo “Espelhos para Cegos”, dirigido por Marcio Meirelles, e inspirado no livro "Teatro Decomposto ou O Homem-Lixo", do dramaturgo romeno Matéi Visniec. O espetáculo expõe a decomposição das relações humanas, a solidão, o controle social, o aprisionamento, a subserviência e vários entraves contemporâneos com uma percepção muito sensível e aguçada.
1. Conta um pouco pra gente sobre o espetáculo ‘Espelho para Cegos’ e qual a importância de ter voltado aos palcos do Teatro Vila Velha?
R:
Bem, eu sempre me vi e sinto até hoje, aos 84 anos, como uma atriz em cima de um palco. Então voltar para o palco do Vila pra mim é sempre uma glória, um grande prazer e num espetáculo realmente muito bem construído muito bom inédito na sua forma de escrever tudo isso.
2. O espetáculo apresenta temas sociais muito atuais: solidão, aprisionamento, controle social. Como você vê o impacto do teatro nesse cenário em que vivemos no Brasil de 2022?
R:
Olha, eu acho que o impacto não tá muito forte por causa do tempo que ficamos com os palcos todos fechados, mas o teatro sempre denunciou o que acontece e ninguém sabe no território brasileiro. Assim, eu acho que é muito importante a presença do teatro contando a verdade.
3. O espetáculo Espelho para Cegos, dirigido por Marcio Meirelles, é inspirado no livro "Teatro Decomposto ou O Homem-Lixo", do dramaturgo romeno Matéi Visniec. Como recebeu a experiência de estrelar o espetáculo ‘Espelhos para Cegos’ e trabalhar com um texto de dramaturgo tão audacioso e ilustrador de ideias para novo?
R:
Olha eu comecei a fazer teatro com 19 anos; quando nós começamos a trabalhar tivemos textos bem novos. Eu achei que esse espetáculo é muito bom: o que ele diz e a forma que diz. Enfrentamos o momento em que a gente vive, então eu me senti muito bem, sabe? Porque eu gosto dessa parte de denúncia de compartilhar fazer alguma coisa para a humanidade através do teatro.
4. “Espelho para Cegos” trata, de alguma forma, de um “Reflexo Humano distorcido por nossa racionalidade absurda”. Como você vê a força das redes sociais hoje, na vida de cada um? Como é a sua relação com as redes?
R:
Olha, as redes eu acho que estão um pouco falsas. Nós vamos ter eleições e elas são usadas de uma forma que eu não gosto. Agora, é um canal muito forte… Mas você não sabe o que acreditar. Eu não sou uma pessoa que gosta muito de redes sociais, eu gosto de coisas boas que acontecem nas redes mas em geral eu acho perigoso.
5. Em sua carreira de escritora, escreveu e publicou em revistas, fascículos e livros, mais de 400 histórias infantis.Como a literatura entrou na sua vida? Como o teatro começa a fazer parte de sua trajetória?
R:
Primeiro entrou o teatro, eu tinha 19 anos e a Universidade da Bahia chamou para uma espécie de concurso para selecionar os primeiros alunos para uma nova escola de teatro feita por Martim Gonçalves. Fiquei fascinada com teatro realmente. Muito, muito depois, participei da criação do Teatro Vila Velha que ainda existe. Mas eu saí de Salvador, casei e acabei morando em São Paulo porque meu marido era jornalista. Todo um movimento e eu comecei escrever para criança e não sei te dizer porque a primeira história que escrevi foi ‘A Sapa Cristina’. Eu fiz e tinha um diretor de arte amigo meu que resolveu ilustrar. Ilustrou, ficou muito tempo em um livro que eu levei para apresentar na editora abril e, lá no momento, eles disseram que queria uma revista infantil. Seria chamada “revista recreio”, e se eu queria fazer um boneco com o diretor de arte deles.
Para dizer como seria essa revista eles deram a faixa etária, deram o número de páginas… todas as coisas técnicas da revista. Eu trabalhei e não sabia que eles estavam fazendo isso com outras pessoas. Eu ganhei o boneco! (simulação do que será o livro, espécie de protótipo). O livro ganhou essa espécie de concurso e eu sou a criadora da Revista Recreio.
Nessa revista, que realmente foi uma revista com um sucesso fantástico, modéstia à parte. Ela chegava a vender por mês 500 mil exemplares! Era muita coisa, então nós fizemos uma revista de diversas áreas: tinha texto, historinhas, atividades que eram relacionados às escolas…mas os meninos não percebiam que era para prepará-los para o aprendizado e foi um grande sucesso.
Daí eu comecei a escrever. Saí da recreio e fui para muitas revistas. Comecei a editar livros: tenho mais de 600 histórias publicadas; tenho algumas aqui que não foram publicadas, eu tô escrevendo mais uma porque eu acho pouco (risos).
6. Sua ligação com o Teatro Vila Velha vem de longos anos, você diria que a sua história e a do Vila são de alguma forma imbricadas?
R:
São. Completamente. Nessa época, a minha vida estava relacionada ao Teatro Vila Velha como a coisa mais importante que eu já fiz (e que faço!). Espero poder ficar mais velhinha ainda do que eu sou hoje, participar de uma maneira ou de outra.
Eu acredito na ideia central. No nosso grupo éramos sete que criamos essa forma de um teatro absolutamente livre, que não tem a obrigação de fazer nada para ninguém, nem dizer aquilo que não acredita. Ele (o teatro) é milagroso porque como sete pessoinhas que nós éramos, somos o grupo que fundou o Vila Velha, conseguimos levantar o teatro.
Nós fizemos um trabalho muito intenso e nós conseguimos. Juraci Magalhães que nos deu uma estrutura metálica que ele tinha feito para outra coisa que a gente adaptou. O Vila, básico, que não é o de hoje, tinha o chão de asfalto. A parede do fundo que deveria rebater o som, era de pedras ( cascalho ). Então nós sabíamos tudo que nós poderíamos conseguir de graça e fomos trazendo. Falávamos com um grupo de arquitetos (o arquiteto era meu irmão), para ir adaptando. Tivemos muitos quadros doados pelos artistas pra gente vender; era um pensamento da cidade também sabe, muitas pessoas participaram desse momento.
Parece pra mim que o Vila é uma pessoa. O Vila é um serzinho que com Márcio ele ficou bem firme. O diretor inicial era João Augusto, era um professor da universidade que saiu junto conosco para formar o teatro. Hoje em dia só tem do grupo inicial Othon Bastos e eu; os outros já voaram para outra dimensão. Mas esse teatro ele realmente é personalizado, quer dizer, ele parece mais um ente total. E a gente teve censura, mas ninguém aguenta fazer muita coisa porque ele é forte.
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