Foto: João Milet


VILA + 58 entrevista:
Cristina Castro, diretora e coreógrafa do espetáculo Muvuca


O Teatro Vila Velha completou 58 anos e foi lançada a Exposição Vila+58 mostrando os momentos mais marcantes dos últimos 10 anos da sua história junto ao contexto político-social em que esteve inserido. E agora você terá, quinzenalmente, a oportunidade de acompanhar uma série de entrevistas com integrantes desses espetáculos. 


Para dar a largada neste ciclo de entrevistas, temos Cristina Castro, gestora cultural, coreógrafa, diretora e fundadora do núcleo Viladança que dirigiu o espetáculo "Muvuca”, uma obra criada pelo Núcleo Viladança. 


Com mais de 12 espetáculos no seu repertório e mais de 400 apresentações no Brasil e no exterior, Cristina revela sua experiência como diretora em “Muvuca” onde a própria abordou uma linguagem que passeia pelos sentimentos humanos, movimentos e explora a conectividade e a experiência cotidiana.


Em Muvuca, você como coreógrafa e diretora escolheu explorar as ideias de atração e repulsão, disputa e partilha, sintonia e comunicação. Como foi que surgiu a ideia sobre esse projeto?  E porque o nome “Muvuca”? 

 

R:

    Muvuca foi um espetáculo que aborda as relações humanas na contemporaneidade. Atração e repulsão ela é frequente nas relações, fecham ciclos abrem outros e é um movimento que a gente pode ver em toda natureza, não só na natureza humana; e especialmente quando dialogando em um espaço definido. Acho que essa repulsão e essa atração gera um comunicado, e é interessante observar o que de vocabulário e o que conteúdo é registrado e escrito, e que pode ser revestido através do movimento e do gesto.

   Meu trabalho como criadora através da dança, eu penso um tema e tenho um longo período de criação solitária, onde eu esmiuço, bebo de muitas fontes. E no segundo momento, meu processo criativo passa inevitavelmente pela composição de uma equipe onde eu integro normalmente a música, o audiovisual mais frequentemente, mas a fotografia, poesia, normalmente eu chamo profissionais dessas áreas do teatro. Então eu assumo um lugar muito de direção, um lugar muito de composição e quando essa equipe é formada e iniciada em um trabalho in loco isso se potencializa muito, traz muitas possibilidades e referências para a criação em si. 

   Então é uma experiência rica onde trabalho com o coletivo, minha criação é coletiva, passa por uma pura escuta, um diálogo grande com os artistas. E no terceiro momento a gente leva isso para o palco, e a escuta do espaço também,  se bem que o espaço para mim é um dos elementos que antecedem inclusive a própria composição coreográfica, quando eu penso em um espetáculo eu inevitavelmente penso em um espaço onde ele está- o que esse espaço produz em mim, qual é a casa que ele vai habitar- ele determina muito do que vem a frente para criação.



Se fosse colocar em cena esse espetáculo novamente, quais as sensações de “Muvuca” que não poderiam ficar de fora? 


R: 

   Eu acentuaria bastante a sensação do medo, acho que é uma sensação que está muito presente hoje, entre as relações humanas, eu daria mais in foco talvez essa sensação, apesar dela ter sido trabalhada,  inclusive em uma cena do espetáculo, quando a gente trabalhou a cor amarela, eu deixaria ela mais forte.


O espetáculo teve uma grande interação entre outras linguagens artísticas. Como se deu esse processo de criação e de ensaios? Você já tinha trabalhado antes com o Pedro Dultra no desenho de luz? 


R:

      A minha pesquisa o meu processo coreográfico ele passa pela interação entre linguagens, é uma marca minha como coreógrafa trabalhar com a dança o movimento como uma coluna mestra uma coluna central, mas que é atravessada por várias linguagens especialmente da música, das artes visuais, da fotografia e do teatro também. Sempre convido artistas dessas áreas para poder compor com a equipe, eu ouço e diálogo bastante com esses artistas, principalmente da luz, que é um elemento muito presente no meu trabalho e que faço questão de tá muito próxima, desenhando e vendo novas formas de usá-la, nesse espetáculo a gente dialoga bastante tanto com a iluminação vinda mais tradicionalmente de refletores, mas também com iluminação do próprio vídeo. E esse diálogo entre audiovisual e luz é muito especial porque estamos lidando com luminosidade e com direcionamento de olhares do público especialmente de uma forma bastante delicada mas também muito incisiva .

Trabalhar com Pedro foi muito bom, Pedro é um iluminador extremamente sensível, tem uma qualidade muito grande, um artista que escuta bastante, então a gente pode dialogar de uma forma muito tranquila, ele traz  soluções que agregam muito ao meu pensamento e ao que eu queria colocar em movimento. E trabalhar no Vila Velha a luz sempre é um presente, porque é um teatro que oferece uma infraestrutura muito especial de grandes possibilidades para os criadores a infraestrutura do Vila, é um diferencial para qualquer criador,  qualquer coreógrafo, porque nos traz possibilidades diferentes de um palco italiano convencional. 


Em Muvuca, os movimentos inspirados em sentimentos despertados pelas cores – azul, amarelo e vermelho, além dos tons primários, o branco e o preto, foram o mote para reforçar os sentimentos criados pelos movimentos dos intérpretes. Como foi a recepção tanto dos próprios dançarinos, quanto do público? Houve uma tentativa de traduzir os sentimentos através dessas cores? 


R:

    As cores trazem referências muito fortes e foi um balizador para a composição dos quadros. Muvuca é feito de quadro, como se fossem páginas que você vai virando e cada página conta uma história, uma cena, um quadro  e que às vezes transitam muito diferentes uma das outras, mas todas apontam por um caminho. Falar sobre relações humanas, falar sobre comunicação, conexão, falar sobre a energia que se produz quando as pessoas estão juntas ou afastadas, então as cores balizaram a gente mas não determinaram o tema, elas ajudaram, provocaram, inspiraram. 

   A recepção a isso foi muito boa, porque é uma coisa muito fácil, as cores estão na nossa vida, estão presentes o tempo inteiro, desde o  momento em que nascemos, até o momento em que morremos. Então, elas nos conduzem a caminhos, energia, temperaturas dos ambientes, conseguimos facilmente transitar, utilizar, fazer uso e ter referências quando falamos sobre cores na nossa vida.


Você começou como dançarina, intérprete e assumiu como coreógrafa e diretora o Núcleo Viladança. Como é estar há 20 anos na direção desse núcleo e como você se vê nesses lugares “entre”? 


R: 

    Bom, estar mais de vinte anos à frente do núcleo Viladança é uma honra para mim, um orgulho muito grande e o Teatro Vila Velha é uma referência de usina cultural, usina de criação artística e não só disso, mas de transformação social. Muvuca é o último trabalho que fiz para essa companhia que foi referência na Bahia, uma referência de grupo de qualidade profissional, de premiação e de difusão da dança baiana nacional e internacionalmente.

 Criei para essa companhia repertório vasto onde teve um trânsito grande de dançarinos e que me possibilitou conhecer mais sobre o processo criativo, conhecer mais sobre pessoas, dança, arte e logicamente vivenciar a transformação dessas pessoas e de mim mesma durante esse percurso junto com a companhia. Eu continuo criando e coreografando espetáculos para teatro também, gosto muito de trabalhar com teatro, a criação está presente na minha história é importantíssimo para a minha existência. 

     O lugar do “entre” é um lugar comum, e se pensarmos sempre estivemos no “entre”, o que entrelaçam, o que atravessa ele, é inevitável. A partir do momento que você dialoga, transita com o que você conhece, você começa a estar nesse lugar do “entre” dos atravessamentos. Sou coreógrafa, diretora, mas sou mãe, mulher, lutadora, pensadora, sou tantas coisas e todos esses lugares eles me pedem coisas, me provocam também, então é muito difícil dizer que é uma coisa só. Eu sou também dançarina, artista, estou no audiovisual, na dança, no teatro e tudo ao mesmo tempo. Alguns com mais propriedade, história, experiências, outros inovando.

Esse lugar do “entre”  para mim é muito importante, ele me mostra o tempo inteiro o que tenho que dizer, mas também o que tenho pra aprender, é um lugar que me baliza, me coloca no mundo “entre minha terra”. Ele me mostra o quão importantes são as coisas que já fiz, mas também o quanto importante são as coisas que eu ainda tenho para fazer. 

O Vila Velha é um lugar do “entre”. No primeiro momento em que cheguei no Vila entendi isso, não existe um lugarzinho somente seu ali, a gente tem que  compartilhar, dialogar tem que entender agora é assim mas amanhã pode ser de uma outra forma, então tem que estar sempre muito preparado para deixar fluir, pra desocupar e ocupar. Essa questão da ocupação e desocupação, deixar ir e trazer pra perto, acho que é o movimento do teatro e é o meu movimento no mundo.



Temos uma demanda de artistas e dançarinos muito forte aqui na cidade, inclusive dentro da própria universidade LIVRE. Nesses termos, o Núcleo Viladança, enquanto grupo residente do Teatro Vila Velha, como está hoje o núcleo Viladança? Tem algum plano ou projeto de formação em andamento?


R: 

   O núcleo Viladança hoje é muito mais um lugar de produção de projetos. mais do que criação de espetáculos. A gente produz vários projetos diferentes que colocam a dança como referência dentro do teatro como uma linguagem importante e também como linguagem que ajuda nas outras linguagens que estão presentes nas outras criações. 

Então, a ideia é que sempre tenha projetos de dança, tanto para agregar pessoas de fora, como também potencializar as pessoas que estão dentro do teatro, como a Universidade Livre, com os projetos que passam temporariamente pelo teatro, então é uma ideia permanente, uma ideia que esteja sempre presente. 

    Quando Márcio me chamou para organizar esse núcleo de dança no teatro, desde do início visualizei que iríamos abrir um espaço ‘para sempre’; não é um projeto de curto prazo, é um projeto de longo prazo, é um projeto que precisa de uma existência longa, para que possa se desenvolver e que possa ser útil ao teatro e às pessoas que estão passando por ele. 



Por: Crisley Cruz, integrante da universidade LIVRE
Edição: Luane Souto






Sobre Cristina Castro: 

Gestora cultural, coreógrafa e dançarina.

Coordenadora da área de planejamento, projetos e sustentabilidade do Teatro Vila Velha.



Sobre a universidade LIVRE:

Criada em 2013 pela Companhia Teatro dos Novos, a universidade LIVRE é o programa de formação do Teatro Vila Velha, com métodos próprios e caráter profissionalizante. O programa da universidade LIVRE tem a duração de 3 anos e é reconhecido pelo sindicato dos artistas, o que habilita à formalização profissional. Além disso, os Livres atuam nas montagens do Teatro dos Novos, e têm experiências e formação em outras áreas essenciais para um artista: como cenografia, figurino, maquiagem, som, vídeo, gestão, produção, comunicação, transmissão online de espetáculos, entre outras.




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