Ser ou não ser? Ser! - Jordan Dafne

          Foto: @afroperiferica

Não consigo pensar em outra palavra para definir o que foi essa oficina, se não, vida. Sim, parece amplo, genérico, mas muito genuíno na minha concepção.

Cheguei no primeiro dia crente da minha ideia de que fazer teatro era sobre esvaziar-se, deixar de ser o que se é, para dar lugar a outros corpos, vivências e histórias, principalmente se tratando do teatro de variedades e a versatilidade que ele requer de cada um de nós e do grupo como um todo. 

É um tipo de teatro que nos presenteia com um leque imenso de linguagens e formas de expressão e essa ideia me excitava muito, pois confesso que vez ou outra me falta a paciência e o tino para lidar com minhas próprias questões e viver em mim mesmo às vezes fica insuportável e a gente só quer um intervalo da nossa vida, pensando nisso, o que poderia me servir melhor do que uma modalidade de teatro que em si já me dava a liberdade para que eu pudesse ser um milhão de coisas que não eu mesmo? Um dia eu poderia ser a vedete ufanista, no outro o homem mais forte do mundo, e no seguinte um boneco de ventríloquo, ou até todos eles em um mesmo dia, ou todos eles ao mesmo tempo, o único personagem que eu achava que não cabia era o Jordan, que saco!

Mas toda essa ideia foi se desfazendo e refazendo a cada vez que a música tocava e junto ao grupo vivia as aventuras mais absurdas, porém quase sempre com uma frustração lá no fundo, porque por mais absurda que fosse a aventura eu ainda estava ali, de mil formas, mas ainda era eu. Até que essa frustração foi se transformando na grande magia da coisa, porque em uma das nossas reflexões após a aula Miguel nos disse coisas que me fizeram perceber que não era sobre deixar de ser e sim sobre possibilidades de ser. Sobre o poder que temos sobre nós mesmos. 

Depois disso, eu reflito sobre minha vida e me pergunto: que personagem eu sou nessa peça de Teatro que é a vida? Porque a partir do momento que não nos esvaziamos em cena, automaticamente não deixamos de viver, talvez seja um dos nossos momentos mais vivos, pois para além de se reconhecer como um personagem constante de nossas próprias histórias, a oficina me fez enxergar o horizonte das possibilidades. Então deixei de me perguntar que personagem eu sou e agora centro meus esforços no personagem que eu quero ser! Porque todos nós temos esse poder. Não é sobre esvaziar-se, é sobre preencher-se, sobre as possibilidades de ser, ser mil coisas e nunca deixar de ser, e o que seria isso, se não, viver? As variedades da oficina não eram apenas a respeito dos diversos tipo de quadros que o teatro de variedades comporta, são as variações de nós mesmos. 

Definitivamente acho que foi sobre a vida, lembro de uma frase que Miguel disse durante a aula que me marcou muito: "O teatro só tem grande importância quando serve a vida, quando ele faz isso, talvez seja uma das coisas mais importantes do mundo". Acho que aprendemos e nos preocupamos essencialmente com isso na montagem do espetáculo, tivemos diversos debates para garantir que tudo tivesse um propósito, que fosse político, que fosse divertido, mas nunca alienante, que assim como o Teatro de Variedades propõe, fosse um respiro para o público que assim como nós se encontra em tempos sombrios, sobretudo para a arte, mas que também não deixasse de ser um simbologia de resistência e esperança, enfim, que não deixasse de servir a vida. Foi também muito sobre a vida quando exercitamos e aprendemos a nos perceber na coletividade, nos coros, extrapolando a individualidade dos personagens e se integrando a proposta do grupo, da cena, estabelecendo sintonia, e consequentemente, sinergia.

Em mim, só há gratidão, a mim mesmo por ter me permitido, a Livre e seus responsáveis por terem promovido e acreditado nisso, a Chica pela paciência e incentivo desde o início via e-mail, a Miguel pela condução e inspiração, e principalmente a turma, pelo acolhimento, pelos abraços e sorrisos, pelo trabalho em grupo, e por tudo que construímos. Vocês são incríveis. Espero que possa viver novas aventuras ao lado de todos vocês, sermos milhões, sermos variedades, sem jamais deixarmos de ser.

Jordan Dafné
Universidade Livre do Teatro Vila Velha


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