Café com revolução - Jordan Dafne

  Foto: Benedito Cirilo

Na manhã do último sábado, eu e Beck, participantes da LIVRE, saímos para tomar um café. Coisa simples, ali mesmo em uma das inúmeras padarias que antecedem o Passeio Público, que por sua vez abriga o nosso templo, o Teatro Vila Velha.

Entre os goles e mordidas que orquestravam nosso singelo café da manhã, encontrávamos brechas para falar um pouquinho das nossas dores individuais, que quando postas na mesa nem pareciam tão individuais assim, pois eu me encontrava em nuances dela, e ela se percebia em nuances de mim, nossos cafés não tinham exatamente o mesmo sabor, mas em ambos haviam gradações de doçura e amargor, e isso era o bastante para nos conectar.

E por falar das doçuras, antes que o café terminasse com aquela atmosfera lânguida e partíssemos para os ajustes finais de Ensaio Para A Democracia, resolvemos falar também das nossas alegrias naquele dado momento, e novamente nos conectamos, pois ambos compartilhávamos da alegria e do orgulho de pertencer a LIVRE, de pertencer ao Vila, um lugar que desde o seu surgimento foi marcado por resistência e subversão e assim perdura até os dias de hoje.

Ambos compartilhamos do imensurável orgulho que é poder fazer parte dessa história, ser fragmento de algo grandioso e se mobilizar para continuar escrevendo capítulos revolucionários e apoteóticos na história do Vila. Nós dois dividimos a sensação plácida de que fazer parte daquela instituição dava um novo propósito a nossa vida, um certo valor a nossa existência que nunca tínhamos sentido antes. Talvez seja o mais perto que chegamos de uma resposta para o que estamos fazendo das nossas vidas.

Naquele sábado, em especial, o teor revolucionário do Vila mostraria sua cara mais uma vez. Horas mais tarde, a LIVRE, sob a direção de Miguel Campelo e Licko Turle, apresentou fragmentos do espetáculo Ensaio Para A Democracia na Escola de Teatro da UFBA durante o Barraco Baco - A virada de Eros, evento que celebrava o centenário de Martim Gonçalves. Ao contar a história da resistência cultural durante o regime militar, que por sua vez deságua na própria história do Vila, celebramos o nosso pertencimento, canalizamos as reflexões do café no nosso corpo, na dança, na encenação. O respeito e a admiração pela história do Vila era a energia que pulsava em nossas almas, que dava a força para os cânticos, aos cortejos, as marchas, as narrações, os beijos...e ao nosso redor, as crianças nos olhavam com olhares cintilantes e curiosos, e eram naqueles olhares que morava a revolução.

Ali senti que o Vila escrevia mais um parágrafo da sua história, mostrávamos como já resistimos às tempestades que passaram, como estamos resistindo a que se faz presente e como resistiremos as que virão. Ensaio Para A Democracia mostrava-se atemporal e mutável, e será sempre um ensaio, uma construção, pois trata-se de uma história sem fim, uma história que é escrita todos os dias e a cada dia uma nova cena poderia ser adicionada...inclusive a que se passava naquele exato dia.

Na manhã do último sábado, eu, Beck, a Livre e todo o Teatro Vila Velha saímos para fazer revolução.

Jordan Dafné
Universidade Livre do Teatro Vila Velha 

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