POR QUE HÉCUBA - Roberto Nascimento se pergunta: por quê?

O ator assistiu ao espetáculo e faz um reflexão sobre os temas abordados na peça de Matéi Visniec, que tem a direção de Marcio Meirelles. 

Chica Carelli em POR QUE HÉCUBA 

Desde a primeira vez em que Troia foi destruída, por volta do ano 1300 a. C., já se anunciava que sua destruição se repetiria outras tantas vezes ao longo dos séculos. Porque os mitos fornecem indícios das potencialidades espirituais da vida humana, dentre as quais se destaca a capacidade de sofrer, suportar. Mas quando a dor excede o peso do universo, surge o direito de atormentar os deuses: por quê? Por que violência, por que vingança, por que sangue? Se a Terra embaixo foi fecundada com Amor pelo macho em cima, o Céu, por que uma mãe assistiu à morte de 19 filhos? E não foi o amor também quem deu inicio à destruição da maravilhosa cidade de Troia?

A mãe é Hécuba, rainha de Troia, que no mito original, após a guerra, foi escravizada pelos vencedores, que lhe jogavam pedras, retribuídas com mordidas. Por morder quem a atingia, Hécuba foi transformada em cadela e é nesse ponto, depois de tudo, que começa “POR QUE HECUBA”, peça escrita por Matéi Visniec, encenada por Marcio Meirelles, que estreia no Vila dia 13 de janeiro. Passou da hora de atormentar os mestres do Olimpo.

Fui à pré-estreia. Fazia tempo que não me empolgava sendo platéia de teatro. Conheço o grupo e quase participei do elenco, razão pela qual alguns me diziam “olha o que você perdeu!”. Errado. Eu devia mesmo era estar na platéia, pra receber tudo o que a universidade LIVRE de teatro vila velha me deu. Só ganhei.

Destaco com o maior carinho a Hécuba de Chica Carelli, que começa em seu fim, escrava e cadela, e ressurge ao final como verdadeira rainha a impedir o sono dos deuses; o belíssimo, vigoroso e encantador Coro, que é a alma do espetáculo e, dentro dele, a força e a lascívia cruéis de Giza Vasconcelos, que é a alma do Coro; as músicas que trazem uma ambientação muito bem ajustada; o cântico entoado por Cris Vieira que se mistura aos ganidos e resmungos de Hécuba e dói, dói de tão igual; a sutileza, a concentração de Iana Nascimento, que podia estar sendo vista por todos, por um, por dois ou nenhum espectador mas permanecia entregue vendo e chorando a dor de Hécuba; a participação super empolgante dos atores de Troilus e Créssida, levantada por Márcio Meirelles com os participantes do XXVIII Curso Livre de Teatro da Ufba (que estreia em 09/01); a convidativa e excitante cena do carnaval dos deuses (acho que na próxima vez, eu mesmo entrarei na festa); a cena brutal do carnaval dos deuses, acompanhada de perto e de longe por uma mãe fodida sentada sobre as ruínas de seu templo, digerindo as cinzas de seus filhos.

A tragédia Troilus e Créssida, de Shakespeare – outra das tantas vezes em que se viu a destruição da maravilhosa cidade de Troia -, foi à Antiguidade para tratar de sua contemporaneidade, a Inglaterra do século XVII. Surgiu ao mesmo tempo em que do outro lado do Atlântico já se construía a destruição da maravilhosa Cidade da Bahia. Desta vez todos se reúnem, Shakespeare, Eurípedes, Homero, Visniec e Meirelles para novamente destruir Troia, expondo a degradação daquela e desta cidade, e agora perguntando Por Quê.


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