Ato De Solidariedade
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Dia 06 de junho (terça-feira), às 15:00 h, na sede do Palácio da Aclamação (entre a Casa da Itália e o Vila)
Estaremos todos lá!

Donos da Justiça, senhores da Verdade?
Por Roberto Albergaria - Professor do Depto. de Antropologia da UFBa

Um juiz federal está processando por injúria o douto polígrafo Totonho Risério, dublê de antropólogo e livre pensador anti-conformista que tanto orgulha nossa cidade letrada. O ilustre magistrado sentiu-se injuriado com as desassombradas palavras de Risério contestando sua altiloqüente argumentação em favor da demolição da Prefeitura-Cristaleira da praça municipal.
Em primeiro lugar, esta queixa-crime me parece abusiva na medida em que desloca uma importante discussão de caráter geral da esfera intelectual e política para a esfera especializada do Direito.

Autoritária criminalização da divergência intelectual... Mais um exemplo deste sufocante processo de juridicização de toda a vida social e cultural que vem caracterizando a contemporaneidade. Tendência que representa um vicioso viés, infelizmente cada vez mais freqüente entre nós. Juridismo que é uma deformação do Estado de Direito, conspirando contra a liberdade de opinião dos cidadãos e contra a própria dinâmica da comunicação.
O fato é que nem todo tipo de discussão - particularmente as que se desenvolvem abertamente através da grande mídia - deve(m) ser reduzida(s) aos seus aspectos jurídicos. Nem todas as nuances das controvérsias podendo ser reconstituídas na monocromática linguagem legal. Complexas e movimentadíssimas disputas intelectuais que se desenrolam em vários níveis - e que podem incidir, inclusive, sobre o questionamento da competência técnica dos querelantes.
Ora, não há nada de mais em se questionar a competência de um juiz nos campos da arquitetura, do urbanismo, da filosofia, da antropologia. Vivemos num mundo de especialistas -- todos nós somos incompetentes fora das nossas áreas profissionais...

No mais, as declarações do desassossegado Risério traduziam apenas objeções técnicas, antagonismo intelectual -- no seu apaixonado estilo habitual, de combativo polemista. Sua argüição nunca poderia ser tomada como uma afronta pessoal, como uma acusação moral (ou, mesmo, como uma ofensa à dignidade do cargo do magistrado).

Desta forma, o fato do juiz super-suscetível ter deslocado a polêmica sobre a Prefeitura-de-Cristal para a esfera do Direito me pareceu uma medida exagerada, descomedida mesmo.

Nociva em termos coletivos, pois entrava a liberdade de debate público dos temas de interesse da população como um todo - discussão esta que poderia ser continuada, com réplicas e tréplicas sucessivas, através dos jornais (que têm por função intermediar a confrontação das razões e paixões da gente ilustrada).

E nebulosa e penosa, também, em termos individuais. Pois pode se configurar como um exemplo de abuso de poder por parte de um magistrado - pois o Antropólogo opinante vai ser julgado pelos pares da própria autoridade criticada. E sabemos como o corporativismo é forte entre nós! A vida do pobre Risério logo estará infernizada, ficando longamente sob ameaça de punição, tendo que contratar advogado etc. Injusta forma de ganhar uma polêmica atazanando a existência do polemista contrário com um carregoso e oneroso processo!

Mais amplamente, o que está em jogo neste caso é a defesa da liberdade dos cidadãos em dissentir da Vontade - e da Verdade (absolutizada?) - dos servidores do Estado. Como, no caso, deste juiz. Será que ele coloca seu pensamento acima de qualquer discussão? Será que as bases arquiteturais, urbanísticas, filosóficas e antropológicas do seu pensamento não podem ser criticadas? Será que sua competência, que sua erudição nesta área é tão sólida assim?
Na realidade, o que nosso exigentíssimo crítico apontou foram os frágeis argumentos do juiz, foi a possível superficialidade das suas referências culturais, especialmente o uso que fez do filósofo G. Vico (de predileção do multissiente ensaísta Totonho).

No mais, assim como os juízes não podem se considerar como os donos da Justiça, tampouco devem se imaginar como senhores da Verdade. Aliás, a Verdade nas sociedades abertas é sempre plural, é sempre objeto de interpretações diversas. Verdades inevitavelmente contestáveis, discutíveis...

Portanto, compreender Risério é defender a liberdade de expressão dos intelectuais, a livre circulação das idéias na mídia e o próprio direito do cidadão em questionar as ações e argumentações dos servidores do Estado. Sejam eles membros do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. Isso é que é democracia real, sem formalismos e filigranas juridicistas. É esse o espírito da polis, entre gregos antigos e novos baianos verdadeiramente democratas.

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