“DO OUTRO LADO DO MAR... OU O MAR... E A MARGEM...” por SÉRGIO RIVERO
Um, de nome Pescador do Mar faceia o Alberto Caeiro, de Pessoa, ao questionar poeticamente a realidade e espantar-se com sua complexidade e engessamento. O outro personagem, Dorotéia, assim também se surpreende, mas com sua própria história, digamos, menos poética; uma sucessão de acontecimentos que nem reproduzem nem subvertem a realidade imediata.
O diálogo gira em torno de uma necessária certidão de nascimento, para o rapaz; o que leva a um questionamento, mais profundo, em cada um, sobre identidades e expectativas não alcançadas.
Cada qual, livre ou preso ao mundo, está imerso em fragmentos de memórias, que não constituem uma linha de tempo dos acontecimentos, mas o tempo possível das percepções e, portanto, o enredo é absolutamente contemporâneo, para dois narradores subjetivos e sem passado, presente ou futuro. Existir é agora, a partir de hoje.
Em dado momento, Dorotéia anuncia que "ninguém morre com esperança" e o texto inunda, poderoso, uma realidade brasileira, pandêmica, política, e seu estado de arte traduz o alimento que nutre nossa humanidade combalida, para sempre adiar um fim.
Andrea Elia e Edu Coutinho honram o texto e o teatro, analógico ou digital, com atuações hipnotizantes, em momentos que sempre emocionam.
O ambiente, violento na força das cores, entre um mar ora tranquilo, ora misterioso e noturno, ora impetuoso, agarra-se aos personagens, atirando-os de encontro à sua Natureza mais profunda. À Cultura resta assistir as descobertas que se processam nos seres.
O texto de Jorgelina Cerritos e a encenação de Marcio Meirelles, sempre de mãos dadas, e enredados a todas as partes que compõem o todo cênico, garantem a segurança de uma fluidez digna das águas. Assim, o espetáculo cresce no tempo do drama, naquela diagonal ascendente que a teoria literária determina, rumo a um céu.
É a natureza, enfim, que determina, a Pescador e Dorotéia ,nascerem juntos e serem, ali, virtuais e tão reais, para nossa felicidade, e para sempre, no tempo presente. Como só um poema sabe ser.
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