O som que há em mim - Rebeca Lima




Em uma peça de teatro, como na vida real, há muitos sons sendo emitidos. Canções, falas, trilha ao vivo, trilha eletrônica, o pé tocando o palco, cadeiras arrastando, ar condicionado, tosses, comentários e o silêncio. Qual o som do silêncio? Não sabemos muito, pois requer coragem e uma atenção vinda do âmago para ouvir o diálogo que pulsa dentro de cada um. E é a partir deste que se emite qualquer outro. O silêncio é também música, poderosíssima inclusive. A emissão de um som ou não som em dado momento, pode definir toda uma cena, o clima proposto e o nível de atenção esperado pelo público, a música participa ativamente da contação de qualquer história. 

Enquanto atriz, falo da relação entre a música e o teatro de um lugar de inexperiência e fragilidade e por isso, um espaço aberto a possibilidades de construção. Venho percebendo que a música está presente a todo momento e como uma dança, se movimenta junto com os outros elementos de uma obra. Quando uma personagem dá o texto, é preciso que a música entre como um plano de fundo mais sútil, o grave e agudo das canções se intercalam com o grave e agudo das vozes, podendo um fortalecer ou fragilizar o todo. O personagem do coro, por exemplo, é responsável pelo pulso de toda uma peça, como um coração que bombeia sangue para todos os outros órgãos e define o ritmo e frequência de suas ações. São muitos personagens agindo em unidade, tendo que adequar suas vibrações internas ao externo, para que a mensagem dada ao público funcione com clareza. Existe uma música sendo proposta como base para uma elevação e, se inserir no contexto, requer escuta do pulso que há dentro e combine com o que há fora. 

Falando todas essas informações, posso até parecer experiente na combinação música e teatro, mas nesse quesito, sensibilidade me falta e ansiedade me exalta. “Você não sabe fazer parte de um coro”, disse Márcio Meirelles, logo após um dos ensaios de “Por que Hécuba”. Naquele momento, concordei com ele, mesmo não sabendo exatamente onde pecava. A partir dali, busquei dar mais atenção às minhas ações quando tocava um instrumento e tive uma descoberta. Sigo sem certezas, mas afirmo que a ansiedade atrapalha tudo. Quando pensava com a mente nas batidas que precisava dar nas alfaias para acertar o pulso, errava com facilidade. Quando a atenção era voltada para as minhas mãos segurando as baquetas e apenas executando o que me foi passado, estava mais firme e era mais difícil do erro acontecer. Entendi que precisava aguardar. Aguardar o momento certo para a minha ação entrar em cena. O que somos não está na nossa mente, mas nas ações que fazemos com ela. Senão, quem além de nós irá enxergar?

Ainda tenho dificuldade com a música quando estou atuando. Hoje, participo do coro dos espíritos de Ariel na obra “A Tempestade” e minhas colegas de cena estão sempre ajustando o que emito, porque vira e mexe atrapalho o todo. A minha forma imprecisa de lidar com as relações fica evidente nesses momentos, Chica Carelli me disse “Rebeca, saiba qual é a nota e entre com precisão, não rodeie.” Desde aí meu desafio começa, qual é a nota? Não tenho segurança em dizê-la, mas busco imitá-la. Fazer de mim a própria nota musical.

Quem convive comigo sabe que sou louca por uma peça “Ensaio para Democracia”. Um espetáculo de teatro de rua, carnavalizado, que conta a história da resistência cultural à ditadura militar brasileira. Ela conta com instrumentos, cortejos, vinhetas, hinos, trilha eletrônica, declamações e um outro que não há como prever, o som da rua e das muito prováveis intervenções da plateia. A proposta do teatro de rua é que qualquer um partícipe, pois assim é a vida. Lembro que na última apresentação, bati o pé para que a canção “London London” de Caetano estivesse em cena enquanto eu falava sobre o exílio de artistas, intelectuais e políticos durante a ditadura. Além da beleza, ela fortalecia a história que eu contava, não faço nada só.

Existe uma linguagem universal, comunicação que ultrapassa a língua e vai para o sentir, isto é, nossa relação com o que não é dito em palavras. Como falamos com as ovelhas, pássaros, árvores, ar e todos os elementos que não emitem a nossa língua e ainda assim, dialogamos. Ela nos leva a qualquer direção e a mais importante delas, a do coração. Esse está sempre nos dizendo coisas.

Rebeca Lima - Participante da universidade LIVRE do Teatro Vila Velha
Dezembro - 2019

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