Instante 1
Cena produzida durante o Laboratório Escritas da Cena
Por Rubens da Cunha
ela
umdeles
ooutro
Jogados sobre o chão de madeira, calças de pijama, sapatilhas e um djembê.
Persianas fechadas.
Na estante sem livros, repousam, solenes, uma vela e um vibrador.
Ela, nua, entre a estante e a janela. Eles, também nus, deitados sobre o tapete: ah, nossos corpos amorosos na sala... Ela sussurra.
Umdeles a olha: e agora, que faço com esse tato que encostou em outro, em outra. Que faço com esse limite quebrado, esse gosto demasiado na boca, nos baixos, nos dentros? Como retornar àquele cotidiano lá fora, como retornar às aparências, decências?
Ooutro senta-se: ri. Foi demais, mesmo você se perguntando sobre o agora. O agora é isso, é essa nossa nudez, é esse chão de madeira, essa vela, esse vibrador, esse djembé. O agora pisa em nossa cara, tatua nossa pele. O agora se escreveu em nossos corpos pra sempre. Seremos sempre agora.
Mas e a vida, e o jogo das explicações, das fidelidades, dos abandonos que não podem ser feitos? Umdeles pergunta enquanto Ela calça a sapatilha.
Ela dança, atravessando a sala. Sim, tudo isso vai incomodar, mas, ao mesmo tempo, essa leveza, esse dançar sem passado, sem futuro, apenas nós, nós e nossos corpos.
Ooutro pega o djembê e começa a tocar.
Umdeles chora. É um tanto de medo ainda, um tanto de agonia.
Ela e Ooutro param de dançar e tocar. Sentam-se ao lado de Umdeles. Ooutro o consola: O que foi? Esquece o lá fora, esquece as conexões com o lá fora. A persiana está fechada, o notebook desligado. Aquela porta não precisa existir. Não há saída pra nós. Não há entrada em nós. Somos isso. Seremos isso.
Pra você é fácil: é sem deus, é sem culpa, é como se você fosse um desses objetos, esse caderno rascunhado, esse vibrador. Puro objeto, pura coisa. Eu aprendi a ter alma, a ter necessidade de salvar a alma. Para mim a certeza de quem eu era sempre foi uma coisa, como eu me desfaço dela? como eu me torno essa dúvida dentro do agora?
Acho que você está exagerando, Ela diz, enquanto passa a sapatilha entre as coxas de Umdeles. Deixa tua mente aberta assim como estão tuas pernas, teus poros. Esquece o que te ensinaram, aprende o tato, é só o tato que importa. Ela aprofunda os carinhos.
Ooutro achega-se, sussurra no ouvido de Umdeles: agora, agora, agora pra sempre.
Umdeles não resiste. Fecha os olhos, abre a mente e deixa-se.
Sobre o tapete: o agora.
Abaixo do tapete: o chão de madeira.
Abaixo do chão de madeira: concreto, concreto, depois terra.
Dentro da terra: djembês de fogo.
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