Vila dos sonhos, prostituta respeitosa e o que nós temos a dizer

Ao Jornal Correio da Bahia

Agradecemos a reportagem sobre o Teatro Vila Velha, publicada no dia de natal, no caderno Repórter. Muito justo que um teatro com a história que tem, vivida nesses 41 anos de trabalho continuo, fosse lembrado por esse caderno que se preocupa em preservar a memória da Bahia.

Entretanto, gostaríamos de falar sobre a página que tem como título: Prostituta respeitosa. Nós, do Teatro Vila Velha, nos orgulhamos muito de nossa história e de todos os que a construíram. Dentre eles Carlos Petrovich, agora encantado, no colo do universo, a olhar por nós. Petrovich fez muito mais por este teatro (e pelo teatro, cinema e educação baianos) do que permitir espetáculos pornográficos e de sexo explícito no palco do Vila. E, quando o fez, foi com a mesma grandeza de espírito que orientou toda a sua vida.

No momento em que o país se abria, em que a ditadura militar preparava sua transformação na ditadura de mercado que agora vivemos e se encerrava a censura, o cinema nacional era patrocinado pelo governo, através da Embrafilme, para fazer pornochanchadas ao invés de filmes que nos fizessem refletir sobre nossa realidade, sobre as mudanças que estavam ocorrendo. Naquele momento, vários produtores paulistas começaram a explorar o filão da comédia erótica, aberto pelo cinema também no teatro. E, como no cinema, outros foram mais adiante investindo na pornografia, com a diferença de ser ao vivo.

Quando Petrovich assumiu o Vila, herdou um teatro sucateado pelo mesmo governo que investiu no cinema pornográfico. Os mesmos descendentes da ditadura, tinham feito, através da Fundação Cultural do Estado um convênio com a Sociedade dos Novos para gerenciar o Teatro Vila Velha. Isso quase acabou com ele. Deixando-o com graves problemas em sua estrutura física, de encanamento, goteiras no teto e muitos outros além de inúmeras dívidas, porque o dinheiro para sua manutenção não era repassado. Como diz um jornal da época "O desaparelhamento do Teatro Vila Velha passa pela redução do quadro de iluminação de 40 para 10 projetores (sic), pela precariedade de outros equipamentos como trepadeiras (sic), cortinas e rotunda." E outro: "(...) um plano da Fundação Cultural do Estado da Bahia para transformar o Passeio Público num corredor cultural, com eventos acontecendo nas antigas garagens que serviam ao governo e demais edificações existentes. Isso significaria uma grande valorização de toda a área. Existia ainda uma tendência do Governo em desapropriar o teatro (Vila Velha) a baixo custo para anexá-lo ao corredor cultural (...)"

Graças a essa intenção de desapropriação, que se transformou em proposta indecente de compra, recusada pelos artistas do Vila, o teatro sofreu retaliações absurdas da administração do Passeio Público. Isso, vale lembrar, melhorou graças à interferência do secretário Paulo Gaudenzi, mas só acabou mesmo quando houve mudança no cargo de direção do Palácio da Aclamação, recentemente.

Petrovich conviveu com tudo isso. E, por amor ao teatro e não por sexo, como diz a reportagem, deixou que a tendência da época se instalasse também no Vila Velha. Foi julgado, na época, por princípios e valores moralistas, mas o teatro vivia cheio mesmo por pessoas que vinham "só por curiosidade". E assim, muitos senhores distintos aqui vieram, não com ingressos pagos, mas com convites solicitados, "só por curiosidade".

Assim, ao lado de peças para crianças e projetos de educação através da arte por ele desenvolvidos, de shows de rock e de espetáculos como "A Bofetada" - agora famosa, mas iniciando carreira na época - o Teatro Vila Velha abrigou o teatro erótico brasileiro. E daí? Entre 1985 e 1991, seis anos portanto, estiveram em nossos palcos dez comédias eróticas e duas em que havia sexo explícito. E pagamos todas as dívidas do teatro, inclusive com pessoal, consertamos os estragos do prédio e investimos em equipamento para atender minimamente à produção local.

Quando Ângela Andrade, Chica Carelli, Marcio Meirelles, o Bando de Teatro Olodum e muitos outros artistas chegaram ao Vila Velha, dispostos a trabalhar aqui, vieram para um teatro que tinha uma história de luta. E, ao contrário da Prostituta respeitosa de Sartre, nunca vendeu seus valores.

Como dissemos no início, nos orgulhamos de nossa história. E nos orgulhamos muitíssimo de Petrovich - um grande homem, um grande artista. Não à toa ele foi o Dom Quixote do espetáculo de reinauguração. É o que sempre foi. Um homem em busca de sonhos e poesia. Não cabe julgamentos moralistas para um homem assim, cujos valores morais fazem com que tenha sido, entre outras coisas, um educador modelo.

Portanto, respondendo à enquete proposta por esse jornal. Valeu. Valeu muito a pena. "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena". Entretanto propomos outra questão para a enquete: Vale a pena um grupo de artistas, renovado sempre por novos, investir suas vidas para manter um teatro como o Vila Velha, que só em 2005, fez 499 apresentações para 54.420 espectadores; 111 ações de capacitação para 4.970 pessoas em sua maioria de baixa renda, além de vários intercâmbios com instituições internacionais; abriga seis grupos residentes com 108 artistas e apóia grupos iniciantes e amadores do subúrbio e do interior do estado e conta com o patrocínio de empresas como Petrobrás, Chesf e Vivo, além do Fundo Estadual de Cultura, para sua manutenção? Vale a pena investir a vida num projeto como esse?


Equipe do Teatro Vila Velha

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